Os dois decidiram se encontrar no restaurante e evitar aqueles jogos de adultos de "quem busca quem" e, assim, neutralizar quaisquer situações constrangedoras pós-date. Se tudo desse errado, cada um teria sua rota de fuga. "Um beijo, até um dia" e todos estariam salvos.
A escolha do restaurante também era importante. Algo de casual, para que todos os assuntos fossem bem vindos, e de romântico, afinal seria um encontro. Nada muito romântico, porém, para que o cenário em si não fosse um incentivador de nada. Ele deveria ser um facilitador se as oportunidades assim se apresentassem.
Todo esse pragmatismo não inibe as expectativas, porém. Toda a carência é carência. Toda a curiosidade é curiosidade. Toda a solidão é solidão. Duas pessoas num primeiro encontro trazem consigo aquelas pesadas bagagens de frustrações e desejos. É inegável. Banho, perfume, camisa, calça. "Esse perfume é muito forte", "essa roupa não combina","ela me verá sem calças hoje?".
A vontade de conquistar, pura e simplesmente. E, então, observar o fruto da conquista. Aquele tiro na madrugada e o barulho de algo despencando no horizonte. Um alvo. O quê? Não se sabe. Um alvo.
Ele, que sempre foi dado ao cavalheirismo, decidiu chegar mais cedo para não fazê-la esperar. Ela chegou cinco minutos depois. Ele se levantou, cumprimentaram-se com aquela mistura de excitação e educação. Aquela combinação curiosa em que tentamos demonstrar interesse, sem revelar muito; como se aquele fosse o momento mais casual do mundo.
Aqueles segundos iniciais constrangedores. O menu que parece estar em alemão, aquela falta de intimidades. Aquele silêncio que é gradualmente rompido pelos cruzamentos, pelas interseções, pelos gostos comuns. Filmes, livros, músicas. As mãos, desajeitadas, que se ocupam em ajeitar os talheres e brincar de xadrez com o sal e a pimenta.
Mas, como mágica, as coisas começam a fazer algum sentido. Um sentido caótico, mas algum sentido. As mãos já se mostram mais confiantes e apontam os detalhes, como mãos de perito. As pernas se esbarram, ocasionalmente, como instrumentos de apoio, para darem mais drama à cena, para elevarem os nervos, aumentarem a tensão entre os dois. Ação e reação. Ataque e defesa.
Então os nomes dos irmãos. Dos pais. Das cidades visitadas. Os países. Os estudos, os trabalhos que cansam mais do que satisfazem. As contas que pelo menos são pagas. Os idiomas, as curiosidades. As experiências inesquecíveis. Os constrangimentos engraçados - e que podem ser compartilhados - não aqueles que vão com a gente para o túmulo. Ela flerta, ocasionalmente, tocando a mão dele. Comenta a cor dos olhos dele, não sabe se "são cinzas ou azuis". Ele flerta de volta, ensaiando um olhar fotográfico, como se fosse o homem mais profundo da terra e ela a única mulher do planeta.
Mas, então, no meio daquele teatro de perfeições, os dois se olham e, na troca inesgotável de palavras até conseguem perceber honestidades sem segundas intenções. Como duas pessoas boas, observando-se nuas, diante do espelho.
Ela quer uma carreira. Uma vida de adulta. Filhos, cães. Ela quer um apartamento pequeno, que possa decorar de forma encantadora. Ele só sabe o que não quer. Sabe o que quis e nunca teve. Sabe o que não quer mais. Sabe do que se perdeu no caminho. Não que ele tenha se tornado incrédulo. Não, isso nunca. Ele apenas prefere não caminhar por essa vereda. É um caminho perigoso demais. Diz a ela, lacônico, que "quer ser feliz".
E, assim, mão sob o queixo, resolve escutá-la por longos minutos, aquela narrativa até interessante sobre medicina veterinária, filmes franceses e móveis de vime. Piadas ocasionais para temperar o diálogo. Ela ri, e ele observa que seus olhos se fecham de forma charmosa. Ele sorri, em resposta. Ela o elogia, de forma discreta. Ele parece ter acertado na escolha da camisa.
Ele olha o pão sobre a mesa, as taças de vinho pela metade. Os arredores, aquele barulho caótico, gostoso, de cinquenta pessoas falando ao mesmo tempo. Gosta de estar ali, melhor, gosta de estar com ela, e, quando volta a realidade, sente-se compelido a tocá-la, com delicadeza. Casualmente, deposita sua mão sobre a dela e percebe que não há resistência. Os dois sorriem. Aqueles dois completos estranhos.
Mas ele também pensa em outras companhias. Passados e pretéritos. E, observando o oceano revolto das linhas na toalha sobre a mesa, percebe que sente saudades. De quê, não sabe definir. Falta de um outro lugar, talvez. Uma outra vida. Aquele hábito. Aquele algo mais forte que ele. Aquela sua vontade de olhar pela janela no trem. De caçar os perdidos. De chorar por eles. Ela o faz despertar do transe, com um comentário engraçado.
Até que as coisas estão indo bem, afinal.
Ele pensa na ciência dos primeiros encontros. Quer escrever sobre isso assim que chegar em casa e pragueja em pensamento não ter uma caneta para rabiscar algumas ideias no guardanapo. De qualquer forma, era um guardanapo de pano. Paciência, aposta na memória.
Decide observá-la em detalhes. O cabelo liso, castanho, cortado de forma irregular. O rosto fino, entre o branco e o dourado, a boca carnuda de uma forma não necessariamente sensual. O nariz proeminente, étnico, que muito o agrada. Algo de marroquina que ele acha irresistível. Os olhos gigantes, eloquentes, bem desenhados. Percebe que ela sorri com os olhos. Isso é bom. O pescoço comprido, algumas sardas espalhadas como estrelas. Uma tatuagem discreta, quase imperceptível, sob a orelha esquerda. "Seria um símbolo do zodíaco?". O vestido elegante, respeitoso e sensual, destas mulheres resolvidas que sabem que não é preciso revelar nada para seduzir muito. As mãos de dedos compridos, um anel discreto, que era de sua vó.
"Ela é uma mulher atraente", pensa. "Definitivamente". E fica se perguntando o que ela está achando dele. Os olhos sorriem, é verdade, e ela parece entretida. Ela o elogia, de forma natural. Toca-o com motivo, esbarram as pernas de forma não premeditada. Parecem gostar da companhia um do outro.
A comida é boa. Ela come com muitas pausas, de um jeito quase entediante, mas que ele acha charmoso. Ela se autoriza a provar do seu prato, sem pedir permissão. E isso o agrada também; há algo de encantador nas pessoas que não fazem muitas cerimônias. Trocam garfadas, numa dança de beijos não dados. Elogios suspirantes à comida. Elogios com propriedade, de quem gosta de comer, de quem saboreia.
O vinho é bom. Nada de especial. Bom. Inebria, anestesia, relaxa. E os dois vão, pouco a pouco, se aproximando. "Porque você não senta ao meu lado?", ela diz com doçura enquanto os olhos falantes dão uma ordem. Ele gosta disso, não revela que gosta, claro, mas gosta. Sentam-se juntos. O perfume dela é suave, dando a impressão de que talvez ela nem esteja usando perfume. Um creme hidratante, talvez. O cabelo tem um cheiro especial, que o faz fechar os olhos instintivamente. Algo de coco, de manga, algo de nostalgia.
Ele observa seu decote, com discrição, sem ela notar. Ela é uma mulher bonita, educada, inteligente, engraçada. E ele começa a ficar ávido em descobrir os seus defeitos. Os escondidos, os poréns, as linhas ilegíveis do contrato. Para descobrir que são todos perdoáveis ou para que a mágica se acabe ali. Mas ela não dá chances para isso. Ela sorri, parece ler seus pensamentos.
Ela tem um sinal no canto da boca, como um satélite. Ela comenta os sinais que ele tem no rosto, nas mãos. Olham-se, por alguns instantes mudos. Um momento esquisito, de silêncios, aquela sensação de que o tempo parou e que as duas bocas vão se encontrar. Ele observa os lábios dela, agora muito mais sensuais, e não tem certeza se eles são habitualmente úmidos e vermelhos ou se é o efeito do vinho em sua boca e nos pensamentos dele.
Mas não se beijam. Um barulho na rua, um vidro se quebrando, o momento se desfaz. Ajeitam-se na cadeira. Falam em sobremesas. A ela agradam mais as frutas. A ele o chocolate. Escolhem algo no meio do caminho. Dividir uma sobremesa parecia mais do que adequado. Gemidos, olhos semi-cerrados, o deleite com os sabores doces, levemente amargos, gelados, algo de pêra, algo de creme, algo de mousse de chocolate. A sobremesa ideal.
Percebem que são as últimas pessoas ali. Percebem as horas que voaram. Então a conta, a realidade. Ela quer pagar, claro. Ele não deixa. Combinam que "ela pagará a próxima". Haveria uma próxima, então. Ele pensa em tomar um café, ela não quer. Desiste. Aquela brisa mais fria, surpreendente, de uma cidade que castigou seus habitantes com 32 graus o dia inteiro. Ele sente vontade de abraçá-la. Mas hesita. Oferece sua jaqueta, ela nega.
Levantam-se. Olham-se por alguns instantes breves enquanto ela ajeita o cabelo, a bolsa, e ele guarda chaves, carteira, os objetos utilitários do mundo masculino que, por regra, devem ser carregados separadamente. Ela quer ir ao banheiro. Ele espera. Ela volta, sorrindo, e ele nota que ela é muito mais alta do que imaginava. Ela segura os sapatos nas mãos, os sapatos novos, "de primeiro encontro", que machuvavam seus pés. E ele acha isso a coisa mais encantadora do mundo.
Despedem-se dos garçons, agradecem. Rumo ao estacionamento. Os dois carros parados em lados quase opostos. Ela senta à direção e ele ri com a bagunça do carro. Uma piada sem graça, como se fosse a casa de um caramujo. Os dois riem. Parecem não querer se despedir. Mas ela é direta, sem cerimônias. "Gostou dele, mais até do que deveria admitir, mas não trairia a sua regra de não beijar no primeiro encontro. Há que manter o mistério". Ele sorri, concorda, as bochechas denunciando timidez. Virando menino.
Desejam-se bons retornos. "Avise-me quando chegar", dizem um ao outro. Aquela desculpa para se falarem um pouco mais. Para conversarem durante a madrugada aquelas conversas interessantes até quem sabe o sol começar a se desenhar na janela. Aquela deixa para transformar o primeiro encontro num segundo. E um segundo num terceiro.
Ela liga o carro, aquela casa caótica sobre rodas, com roupas, pastas de trabalho, e brinquedos de cachorro espalhados. Ele gosta da música que começa a tocar. Há algo muito sexy em garotas que ouvem The Strokes. Ele comenta sobre isso, naturalmente. Sorriem. Ele fecha a sua porta, um beijo no rosto. Ela o segura pela nuca, um carinho discreto.
Combinam tudo sem combinar nada. E ele volta para o seu carro. Desabotoa mais um botão de sua camisa, mãos nos bolsos da calça, como se fosse um rapaz italiano. Sente-se charmoso naquela noite.
A verdade é que não há ciências sobre os primeiros encontros. E ele se dá conta disso diante do volante do seu carro, sorrindo; e lamentando, mais que tudo no mundo, não poder levá-la em casa naquela noite.