domingo, 25 de abril de 2010

ONDE REINA O CAOS


"Misógeno", "grotesco", "pretensioso", "arte". Muitos são os possíveis adjetivos ao filme "Antichrist" (Anticristo), de Lars von Trier, e nenhum será justo ou equivocado. Porque este filme é, sem dúvidas, o conjunto de todos esses adjetivos e muitos outros mais. Este é um filme raro, polêmico, forte e profundo sobre o qual apenas um argumento é inequívoco: é impossível ficar indiferente a ele.

Na história, "Ele" (Willem Dafoe) e "Ela" (Charlotte Gainsbourg) perdem um filho tragicamente. Após uma belíssima cena, rodada em preto e branco, Lars von Trier constrói o prólogo perfeito para o seu filme que é, ao mesmo tempo, sonho e pesadelo: ao som de "Lascia la Spina", de Handel, o casal faz amor apaixonadamente enquanto seu filho pequeno caminha para uma janela aberta. Tragédia anunciada e um casal em frangalhos. Devastados, os dois fogem para uma cabana, onde tentam um audacioso processo de cura, enfrentando a dor e a tristeza, ao invés de negá-la ou combatê-la.

Amor e morte caminham de mãos amarradas no novo filme de Lars von Trier

Mas, justamente, ao se depararem com a verdade da dor, os dois também se deparam com a dura verdade da existência humana, que pode ser falha, corrompida, má. E nessa turbulenta jornada de cura e auto-conhecimento, os dois seguem um caminho sem volta onde o desespero e a loucura fazem com que eles se percam nos labirintos de suas próprias mentes. Neste momento, já não é possível distinguir realidade de alucinação, certo de errado, fato e suspeita. Na cabana, cercada por uma região de mata fechada chamada Eden ("Paraíso"), Ele e Ela, como Adão e Eva às avessas, descobrem real e dolorosamente que "o caso reina". 

"Anticristo" é um filme belo e, ao mesmo tempo, horrendo. Com uma cinematografia fantasmagórica e precisa na intenção em retratar duas mentes perturbadas, este é um filme delicado, na mesma proporção em que é explícito e visceral. É arte na igual proporção em que pode ser interpretado como lixo. Porque não é um filme para todos. É, na verdade, um filme para ninguém, como se Lars von Trier tivesse construído seu próprio pesadelo, num exercício pessoal, egoísta, autista e de celebração de sua própria angústia. Dizem que Trier filmou "Anticristo" num momento de grande tristeza pessoal e isso pode ser percebido em cada  segundo deste filme impressionante que destila melancolia. 

Definitivamente, "Anticristo" é um filme arrebatador e com certeza não sou a mesma pessoa de antes de tê-lo visto. Ao mesmo tempo, há em mim uma satisfação - talvez inocente - em ter visto este filme, na medida em que é, na pior das hipóteses, uma peça de arte simplesmente imperdível. Não sei interpretar que impacto, especificamente, este filme provocou em mim além do silêncio. Porque esta é a essência e a beleza genuína deste filme: a sua capacidade de nos silenciar.


Fantasmagórica e brutalmente real é a jornada pelo "paraíso"

Despertei ao final deste filme, como quem acorda de um sonho ruim. Mas, de alguma maneira, quis dormir novamente. Talvez nem o próprio Trier tenha noção do poder de sua obra. Na falta de adjetivos definitivos para este filme, um, pelo menos, não me foge à mente: poderoso. 

O caos reina em "Anticristo". Mas é justamente no caos que nasce a ordem e "Anticristo" transpira esta reflexão com eloquência.

3 comentários:

IONE GONZALEZ disse...

SEU TEXTO EXPRESSA LINDAMENTE A ESSENCIA DO TURBULENTO SILENCIO QUE ESTE FILME NOS IMPACTA.UM SOCO NO ESTOMAGO,VER REPRESENTADO COMO ARTE,O
INDIZIVEL,O QUE NÃO CESSA DE ''NÃO SE ESCREVER'':''O REAL LACANIANO'',''DAS
DING DA FILOSOFIA.
REINA O CAOS.O GOZO,O BURACO DO SEXO
A MORTE ,DEUS.
ACORDAMOS NESTE FILME EM BUSCA DE VOLTAR A DORMIR,SONHANDO COM UM POUCO
DE ''ALIENAÇÃO''.
PODEROSO,SEM DUVIDA.ASSSOMBROSO EM SUA BELA BRUTALIDADE.

Anônimo disse...

Isso atrai muita obssessao.

Lilian disse...

Apesar de não estar comentando,continuo lendo e acompanhando seu blog.
Esta sinopse é tão brilhante que me fez vencer a resistencia ao ''Anticristo'',não o verei de novo.
De certa forma,este bolg tem sido um otimo guia para minha escolha de filmes.