Quando George nasceu, prematuro, na mesma hora recebeu o nome do santo de devoção de sua mãe. Ela havia feito uma promessa ao santo guerreiro que daria o seu nome ao seu primeiro filho caso tudo corresse bem. Apesar de ter crescido num ambiente de profunda devoção religiosa, George se tornou ateu antes mesmo de se tornar adulto. Sentia, desde muito cedo, que não havia necessidade de se apegar a ideias que não fossem concretas e sentia pavor da histeria provocada pelas religiões que, em seu entendimento, desvirtuavam as pessoas das suas próprias decisões. George não aceitava que houvesse um plano maior, além do seu controle terreno. Religião, qualquer uma que fosse, não era o seu negócio. Ele simplesmente não era um homem de fé.
Assim George viveu, por toda a sua vida. Prático, científico, materialista. Como Woody Allen, preferia o ar-condicionado ao Papa e ria, com uma mistura de pena e deboche, da sua mãe, uma senhora adorável, que sempre cheirava a incenso. Quando a visitava, olhava para o altar em destaque na sala, onde uma imagem de São Jorge podia ser vista em esplendor. "Meu Santo vestido", dizia sua mãe, enquanto tocava orgulhosamente a capa de veludo vermelho do santo imponente.
Em situações como estas, George sempre aproveitava a oportunidade para fazer alguma piada sobre os hábitos, as velas, as flores. Todo aquele "teatro" não fazia sentido para os seus olhos de matemático. Mas sua mãe não se incomodava, pelo contrário, olhava para George com um sorriso tenro e dizia, fitando-o nos olhos e acariciando seu rosto: "Ele olha por você, mesmo assim, meu filho".
George era um homem pacífico, de hábitos comuns. Separado, sem filhos, morava só numa casa confortável perto da universidade onde dava aulas de estatística. Ia de bicicleta para o trabalho, gostava de tomar água de coco ao final do dia e, sempre que possível, encontrava um pequeno grupo de amigos para ouvir jazz no centro da cidade.
Além disso, alguns livros e discos antigos traziam novidade para a grande casa que dividia com Crono, seu gato siamês que havia sido castrado há duas semanas e passava dias e mais dias deitado sobre uma grande almofada azul da qual se levantava, ocasionalmente, para comer ou frequentar a sua caixa de areia. Ele gostava de conversar com o gato, que parecia observá-lo com bastante atenção. Fazia carinho em sua cabeça, e ele respondia prontamente, vibrando como um aparelho elétrico a cada novo afago. "Desculpe por ter feito isso com você, mas é para o seu bem. E nunca esqueça: você não é nem um pouco menos homem agora. Pense que perdeu um acessório, só isso".
Aos 49 anos, George se deparou com a maior provação de sua vida. Após alguns exames de rotina, ele descobriu que tinha um câncer nos testículos. Ele viu o seu mundo desabar naquele dia. Era como se estivesse despencando, num abismo sem fim, onde a sua vida parecia se desfazer como névoa e poeira.
Quando contou essa notícia à sua família, sua mãe chorou um choro diferente. Um choro de coragem. Um choro de quem se arma para a guerra. Ao ver o seu filho soluçar, sozinho num canto, aproximou-se e disse, com convicção e veemência: "Não desespere, meu filho, porque nós venceremos essa". George agradeceu o conforto, mas em sua cabeça havia espaço apenas para pensamentos de probabilidades. Causas e efeitos. Ações e consequências.
O tratamento começou e se provou mais doloroso e sofrido do que George podia imaginar. Alternava momentos de esperança e desepero enquanto seguia para as sessões de quimioterapia a que se submetia. Inicialmente, houve um quadro de melhora, mas rapidamente o seu estado piorou a um ponto crítico. George via as horas sumindo por entre os seus dedos enquanto percebia que ficava mais no hospital do que em casa. O tempo, o seu tempo, era cada vez mais fugaz.
Numa tarde especialmente nublada, George se sentiu consumido por pensamentos melancólicos. Sabia que o seu corpo definhava e enxergava um homem de cem anos no espelho. Deixou um envelope pardo sobre a mesa, contendo um bilhete breve com mais instruções do que reflexões. Levou seu gato, Crono, para a casa de sua irmã, beijou-a e abraçou seu corpo com grande demora, como se estivesse dizendo adeus. Ouviu-a dizer palavras de conforto e esperança, enquanto caminhava para a porta da rua, mas nada daquilo fazia qualquer sentido para ele.
George saiu, observou o movimento e a rotina da cidade com olhos de turista. Tentou respirar fundo, mas uma tosse áspera o impediu de continuar. Passou a mão sobre a cabeça quase sem cabelo, olhou para as mãos de centenário e sentiu as roupas ainda mais folgadas. "Que tipo de homem eu acabei me tornando?". Não via mais sentido em nada daquilo ao seu redor e tinha a impressão de ser um observador de si mesmo, coadjuvante em seu próprio corpo.
Atravessou a avenida com algum desleixo, quase invisível para os poucos carros que iam e vinham naquelas primeiras horas do dia. Descalço, andou sem pressa pela areia que massageava seus pés. Gostou daquela sensação e sorriu brevemente enquanto seguia seu caminho em direção ao mar que estava especialmente calmo naquele momento.
A água já começava a esfriar e George sentia cada novo centímetro escalando seu corpo frágil e dormente. Pés, cintura, ombros. Sentia o barulho das ondas, o sal da água e um canto de gaivotas voando não muito longe. O movimento o levava para cima e para baixo, como um barco de papel, e George decidiu fechar os olhos, antes do seu mergulho final. No instante derradeiro de sua passagem na terra, George sentiu vontade de conversar com Deus. "Perdoa-me, Deus, porque eu não consigo mais continuar".
E o mar engoliu George, cobrindo-o rapidamente e deixando-o inconsciente. Subitamente, sentiu o sol nascendo no horizonte e percebeu duas mãos habilidosas erguendo seu corpo, levando-o graciosamente para a areia. "Ainda não, George. Ainda não". Ele não conseguia enxergar o rosto do seu salvador que, naquele momento, era não mais que um vulto gigante ao seu redor. Um bombeiro, um salva-vidas.
"Porque você está me ajudando?", perguntou com palavras tossidas. "Eu não aguento mais, não consigo continuar", completou. Ao que o estranho respondeu, com um sussurro que pareceu ventar em seus ouvidos: "você consegue, sim. E mesmo quando não conseguir, não desespere porque eu vou te carregar em meus braços". E então George apagou num sono profundo.
Quando abriu os olhos, George estava numa cama de hospital. A luz branca feriu os seus olhos, enquanto ele tateva por alguma informação. Viu sua mãe e sua irmã olhando-o radiantes. E aguardou alguma explicação. Sua última lembrança era ter caminhado em direção ao mar. Nada mais.
Sua mãe acariciou sua cabeça e com uma fina lágrima nos olhos explicou ao seu filho tudo o que havia acontecido até ele ser trazido ao hospital. George ouviu incrédulo e pareceu recordar alguns fragmentos de memórias sem conexão.
Seis meses depois, os médicos deram a George a inesperada notícia de que ele estava completamente curado. Não sabiam como, mas ele estava são como se nunca tivesse ficado doente. Algo que, mesmo a medicina em sua infinita sabedoria definia por "milagre". "Deve haver alguém olhando por você lá em cima, George, porque você nunca esteve tão bem".
A brisa salina mexia em seus cabelos de forma muito especial naquela manhã em que decidiu caminhar cedo na beira da praia. Gostava do calor do sol em sua pele e sentia como se tivesse não mais que vinte anos. Achava-se um novo homem. George havia vencido uma batalha que ele sequer tentou ganhar. E como Einstein havia percebido tantos anos antes, descobriu que não havia milagres na vida, mas que todos os aspectos da vida eram milagres.
Emoldurado, na sua sala de jantar, o recorte do jornal que noticiava a história do "homem desaparecido que havia sido encontrado na areia da praia, envolto num grande manto de veludo vermelho".