quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

ADEUS AO SARGENTO

Ao ano que se vai, desejo boa viagem. Não sentirei sua falta, mas também não te desejo mal, absolutamente. 2009 foi um ano meio inflexível e autoritário. Ofereceu pouco e a um alto custo, como um sargento desses filmes onde o personagem principal sofre num rigoroso treinamento militar. É como se eu tivesse passado esses últimos 12 meses olhando 2009 por seus calcanhares, na altura de sua bota lustrosa, enquanto ele me ordenava o que fazer e me reprimia quando eu não respondia satisfatoriamente. Houve algumas boas horas, claro, e algum descanso e realização. Foram as pausas para o sono, as refeições, as conversas de alojamento e a correspondência com notícias de casa. No resto do tempo, treinamento puxado, horas mal dormidas, gritaria e exercício exaustivo. Não é que 2009 estivesse me preparando para a guerra - ou pelo menos eu espero que não - mas como se o próprio ano fosse uma guerra. Mas, se aqui estou, no ocaso do ano, é porque venci. Não quero me vangloriar, em hipótese alguma. Talvez eu esteja até sendo exagerado e condescendente comigo mesmo. Mas esse 31 de dezembro, para mim pelo menos, tem um sabor inevitável de missão cumprida. E um desejo ansioso pela chegada de 2010 e suas surpresas. A 2009, minha gratidão pela aprendizagem, um adeus sincero e um aperto de mão. Não mais que isso.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

PARA VER E OUVIR: FLORENCE & THE MACHINE ("KISS WITH A FIST")

"GOOD TIMES FOR A CHANGE"


The Smiths - "Please, Please, Please Let Me Get What I Want" (cover do Luxure). Adequado para lembrar do ano que se vai e do outro que já desponta no horizonte.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

UM LIVRO QUE MERECE SER... ROUBADO


Não tenho o menor desejo de encorajar o crime, absolutamente. Mas quem tiver o prazer único de ler "A menina que roubava livros" entenderá o que eu estou dizendo. O bestseller de Markus Zusak conta a história de Liesel Meminger, uma garotinha alemã, esquálida e curiosa, que desenvolve o hábito de roubar livros em plena Alemanha nazista. Uma história delicada, comovente, que parece sussurrada, como um sonho. É um livro que nos faz uma companhia calorosa, porém tímida. Ideal para dias de chuva e é minha leitura de cabeceira neste final de ano. Ao longo do livro, a habilidade narrativa de Zusak nos apresenta personagens e situações como se nós mesmos estivéssemos presentes durante aquele tempo de trevas e histeria. Para tornar tudo ainda mais misterioso e interessante, descobrimos rapidamente que ninguém menos que a Morte é a narradora da história. Por alguma razão, a pequna Liesel marcou a Morte profundamente, de maneira que ela nunca conseguiu esquecê-la. E como a própria contra-capa do livro nos avisa, "quando a Morte decide contar uma história é melhor você parar para ouvir o que ela tem a dizer".

RUAS E AVENIDAS

Mudar de cidade, digo, para inventar uma nova vida, é uma das experiências mais marcantes que alguém pode vivenciar. Ainda mais para "alguém como eu", PHD na arte de criar raízes e apegos. Porque neste processo de (re)descoberta, muito - também em nós - ganha novidade. Aprendemos não somente sobre o novo, mas sobre o que ficou para trás. Na cartografia de novas ruas e avenidas, muito de nossas vidas também se redesenha diante dos olhos, como uma verdade que sempre esteve escancarada mas que, por alguma razão, só fica clara depois que as afastamos dos olhos. Pelo menos é o que sinto, todos os anos, quando volto para a cidade onde nasci para as festas. Observo em silêncio, as ruas e avenidas, da mesma forma que fazia quando criança. Por detrás dos vidros cristalinos, imaginando e construíndo memórias e aventuras ao longo dos antigos trajetos que hoje experimento como turista. Fico recordando, com certa nostalgia, para onde aqueles caminhos me levavam e para que finalidade. Quando eu corria pelas ruas e avenidas desta cidade como se nelas estivessem narradas as histórias não só do meu passado, mas de meu futuro, também. "Morrerei aqui, será?". Mas eis que mudei de cidade. Mudei a vida. Reinventei a vida. Reinventei um lar. E, ainda que vir até aqui seja "voltar para casa", inevitalmente me deparo com a reflexão de que "venho para a minha casa para então voltar para a minha casa". Para as novas ruas e avenidas onde vou desenhando meu presente, novamente imaginando se também estou escrevendo o meu futuro. Percorrendo novos caminhos e registrando para onde eles vão me levando. Não sei. Acho que o retorno é nostálgico, sempre, porque ele escancara no meu rosto que tanto mudou, mesmo que tão pouco pareça ter mudado. É a minha angustiante reflexão sobre a finitude. Algo meio xiita e ortodoxo, rigoroso, de quem "às vezes se pega sem querer aproveitar a festa, pela certeza que ela em breve se acabará". Assim diz minha mãe, em tantos dos seus momentos de sabedoria. Vivo orbitando esses mundos aos quais pertenço intimamente e contraditoriamente desesperado de medo de não pertencer a  nenhum verdadeiramente. Ou então fico simplesmente pensativo demais. É a chuva na janela. É o cheiro de comida caseira. São as fotos, as dezenas de fotos espalhadas que, em sua desconstrução caleidoscópica e nada cronológica da minha história, narram inequivocamente a finitude que tão inocentemente insisto em combater. Ruas e avenidas. Quando o céu nublado se desfaz milagrosamente em raios amarelos e o calor do sol volta a ter sabor de baunilha, relembro que estou feliz, em casa. Enquanto não volto para casa para a companhia de minhas novas ruas e avenidas.

sábado, 19 de dezembro de 2009

O JARDIM JAPONÊS



Angela acordou com uma sensação imperativa de limpeza. Precisava limpar tudo, livrar-se de toda a sujeira que conseguia enxergar pelas paredes, móveis, tapetes e quadros. Tudo parecia revestido de limo, poeira e terra. Algo, uma força maior do que ela mesma, a impelia por todos os cômodos daquela casa antiga. Sentia-se em dívida com aquela herança. Deveria zelar pela imensa casa da colina, notória pelos bailes de outras épocas e fantasmas de dias mais recentes.

Os nativos não arriscavam sequer cruzar a vereda que cortava o grande portão de ferro. Era um caminho prático, que conduzia à pequena cidade com extrema rapidez. Não, nem crianças, nem velhos, nem moças, ninguém se autorizava a cortar caminho por ali. Evitavam a casa como quem evitava o diabo. Preferiam descer pelas montanhas, era mais seguro. Havia algo ali, para dentro dos portões caídos e enferrujados. Algo velho, muito velho, que sussurrava por entre a grama alta e o barulho das tábuas que se retorciam como se conversassem umas com as outras. Havia algo ali. Algo sinistro, que fazia as mais velhas arregalarem os olhos e mastigarem cada palavra ao dizerem que “aquela era uma casa de mortos”.

Mas aquela casa era tudo que restava à Angela. Seu marido a havia abandonado. E seus filhos, já deixando a universidade, haviam esquecido dela há anos. Tudo o que sobrou era a casa de seu velho tio, meio-irmão de sua mãe, um famoso fazendeiro de tabaco que havia perdido tudo em dívidas, jogos e mulheres. Alguns ainda a disseram que tudo foi destruído pelo seu atrevimento insistente em “mexer com forças que não deviam ser incomodadas”.

Naquela manhã, no entanto, era como se um exército de sombras e vozes e ventos a arrastassem por toda a propriedade. Sentia-se sem pés, flutuando a um palmo do chão. Observava as árvores mortas, um balanço preso por apenas por uma corda, um velho poço, fontes dágua com anjos desfigurados pelo tempo e restos de móveis do que um dia foi um jardim.

Então se viu parada diante de um gigantesco relógio de parede. Desperta do transe, sentiu um ímpeto violento de derrubá-lo no chão. O barulho ensurdecedor fez os cachorros latirem ao longe. Mas isso pouco importou à Angela que, caminhando descalça sobre restos de vidro, ponteiros e engrenagens ainda agonizantes, deparou-se com um túnel escuro, aberto grosseiramente na parede, mas perfeitamente escondido atrás do relógio, quando ainda inteiro.

Sem pensar duas vezes, abaixou-se e, no limiar de engatinhar, enveredou-se pelo buraco escuro, como uma fenda no tempo. Não conseguia, sequer, enxergar suas mãos. Rastejava. Sentia os joelhos sujos e as mãos úmidas, enquanto prosseguia. E não enxergava absolutamente nada. Nem ouvia nada. Era como se estivesse só, completamente só, num espaço sem donos, sem regras, sem física. Apenas tinha o desejo de continuar. Aos poucos, começava a sentir pequenas pedras por entre seus dedos, e um sopro de vento ameaçava tocar o seu rosto. Até que começou a enxergar um ponto de luz, quase se perdendo no infinito. Foi quando teve a certeza de continuar.

Num determinado momento, sentiu que o seu túnel ficava cada vez mais estreito, apertando seu corpo contra as paredes molhadas, que já a sufocavam. Mas nem por isso deixou de continuar. Seu queixo começava a roçar no chão, quando pôde enfim avistar uma pequenina janela. Havia chegado ao seu ponto de luz. Forçou com o punho fechado a pequena abertura por onde mal passaria uma criança pequena. E arrebentou as dobradiças com a sua determinação.

Espremeu-se como uma enguia e, com angustiosa dor, conseguiu se projetar para fora daquele ventre de barro e pedra. E assustou-se com o silêncio que a circundava. Estava de pé, num jardim japonês, branco, estranhamente sem cor alguma e em silêncio abissal. Grama branca, pedras brancas, lanternas brancas, cerejeiras brancas, céu branco, sol branco. Seu corpo estava branco, e seu cabelo, vestido, unhas e pés e mãos. Tocou-se como quem toca uma miragem e percebeu que tudo aquilo era real. Brutalmente real.

Angela olhou para trás, procurando o seu caminho de retorno. Mas ele havia se fechado, como uma ferida cicatrizada, que deixa evidente a silhueta de corte recente. E desmaiou, sentindo vividamente cada centímetro do seu corpo batendo contra o chão branco, sem cheiro nem temperatura. A fina areia a envolveu e ela pôde sentir mãos delicadas correndo pelo seu cabelo, pescoço, rosto. Não quis mais abrir os olhos. Deixou-se afundar, lentamente, sucumbindo como uma pedra que corta a água do mar no seu trajeto para o fundo. E sentiu-se em paz.

* * *

“Esta noite tive o sonho mais estranho de minha vida”, disse Angela ao seu marido que, fechando a porta de casa, sequer olhou em sua direção. “Tenha um bom dia, Angela”, disse apenas, “não me espere para o jantar”.

Conformou-se, como sempre. Limpou a mesa das migalhas de pão e lavou toda a louça. Sobre a cômoda, ainda estavam as correspondências não abertas, desde o dia anterior. Para ela, apenas um envelope, de um escritório de advogados associados.

BLAKE, NORTHWEST & FUKUGAWA – ADVOGADOS ASSOCIADOS

* * *

Não havia quem não apreciasse a misteriosa arte de Eiko Yamasaki. Suas gravuras estampavam camisetas, postais e inspiravam diretores de cinema e estrelas pop. Seus motivos eram sempre os mesmos: mulheres desesperadamente sós, caminhando por jardins sem cor, povoados de sombras e fantasmas. Quando questionada sobre suas inspirações, tinha sempre pronta a resposta:

“Estas mulheres estão vivas. E habitam os meus sonhos, todas as noites”.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

"ODE AO GATO" (PABLO NERUDA)



Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, voo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
do pressentimento ao rato vivo,
da noite até seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma só coisa
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de um navio.
Seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite.

Oh, pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
 tigre mínimo de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh, fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
seguramente não há
enigma
na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso,
talvez todos o acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gatos, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos
do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço ao gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica,
o gineceu com seus extravios,
o por e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,

a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
o seu olho tem números de puro.

PARA VER E OUVIR: CAETANO VELOSO CANTA "PALOMA" EM "FALE COM ELA", DE ALMODÓVAR


Linda homenagem de Almodóvar, ao transformar Caetano Veloso em um sonho num de seus filmes mais especiais. "Fale com ela" é, inteiro, um sonho.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

COISA DE SONHO



Vitrine da Maison Hermès, em Tóquio. Design de Tokujin Yoshioka. Modelos virtuais "sopram" de verdade os lenços delicados em exposição. Um deleite para os olhos, um absurdo de minimalismo. Extremamente silencioso e japonês. Coisa de sonho.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

NIKOLAI E O SONHO


Dificilmente Nikolai se afastava da janela. Era sua morada, seu refúgio. Era o espaço onde passava dias e noites, noites e dias, com breves interrupções para os outros afazeres de sua vida. Nikolai era conhecido por sua discrição. Movimentos curtos e precisos, caminhar comedido, silencioso e elegante, mas carinhoso e dedicado com seu principal protetor: um senhor de 89 anos, famoso professor de música, já nos últimos suspiros da sua passagem pela terra.

Nikolai foi praticamente adotado por ele, num desses acasos do destino em que duas almas se esbarram por alguma razão qualquer e decidem continuar juntas. Nikolai e seu protetor eram companheiros fiéis numa vida de muitos silêncios. Nos dias ensolarados, o velho gostava de caminhar até a esquina, onde comprava peixe e pão frescos. Almoçavam juntos, salmão e pão preto, no terraço do velho apartamento em Paris.

Em dias chuvosos, gostavam de contemplar juntos a janela molhada e a cidade cinza no horizonte restrito daquele recorte de meio metro quadrado que emoldurava uma Paris lindamente iluminada e colorida. Nesses momentos, o velho bebericava conhaque e balbuciava algumas lembranças desconexas de um passado já há muito perdido na poeria do tempo. Um passado de recitais e alunos medíocres, de festas e moças mais ávidas por casamentos de contos de fadas do que pelo saber musical. Nikolai não se manifestava e preferia observá-lo atento, ocasionalmente se distraindo por algum passarinho na janela ou um bocejo incontrolável. Nada que incomodasse o velho, no entanto.

E assim eram os últimos dias daqueles dois amigos inseparáveis. Até que, enfim, o velho professor não se levantou mais de sua cama solitária. Havia partido. Nikolai entrou vagarosamente no quarto, passo ante passo, e contemplou o corpo frio sobre o catre daquele quarto sem luxo, incrédulo à sua maneira e demonstrando supresa e melancolia. Sentou-se por alguns instantes e olhou para o teto como se conseguisse visualizar seres flutuantes. E resignou-se com a ideia de que seu protetor o havia deixado, caminhando lentamente até o antigo piano que decorava a sala como uma ilha de mogno vermelho num oceano de cinzas.

Lá, deitou elegantemente sobre o teclado frio que abraçou seu corpo pequenino como uma almofada de marfim e ébano. Fechando os olhos vagarosamente, pareceu-lhe estar ingressando em mais num daqueles sonhos enigmáticos que tinha quase todas as noites. Seus sonhos de gato. Sonhos em que não era um gato, mas um garotinho solitário.

* * *

Um solavanco repentino retirou Nikolai de seu sono profundo como um susto. O trem acabava de chegar à estação, consumindo tudo ao seu redor em fumaça e barulho. Era uma manhã muito fria quando Nikolai chegou com sua mãe à Paris, em 1948.

"Veja, Nikolai, que linda cidade. Seremos felizes aqui, meu filho, estou certa de que seremos felizes aqui".

Nikolai olhou para sua mãe, que sorria, maravilhada com os ares de Paris. Filho de um paraquedista morto na guerra, Nikolai chegava à cidade e enfim conheceria o seu avô, que não via desde o seu nascimento. Com a luz que lentamente começava a despontar, colorindo as ruas preto-e-branco, Paris se descortinava diante de seus olhos iluminados e ávidos pelas novidades. Nikolai aprenderia a tocar piano com o seu avô. Era esse o plano. E rapidamente o menino esqueceu de seu sonho. Mais um sonho enigmático em que era, não um garotinho, mas um gato de pelo listrado e olhar silencioso.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

PARA VER E OUVIR: SARAH MCLACHLAN ("ADIA")

PARA VER E OUVIR: SARAH MCLACHLAN ("I WILL REMEMBER YOU")


Hino oficial da saudade e da nostalgia. O filme no clipe é "Os irmãos Mcmullen".

sábado, 5 de dezembro de 2009

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO. SEMPRE.


V

T.S. ELIOT

So here I am, in the middle way, having had twenty years—
Twenty years largely wasted, the years of l'entre deux guerres
Trying to use words, and every attempt
Is a wholly new start, and a different kind of failure
Because one has only learnt to get the better of words
For the thing one no longer has to say, or the way in which
One is no longer disposed to say it. And so each venture
Is a new beginning, a raid on the inarticulate
With shabby equipment always deteriorating
In the general mess of imprecision of feeling,
Undisciplined squads of emotion. And what there is to conquer
By strength and submission, has already been discovered
Once or twice, or several times, by men whom one cannot hope
To emulate—but there is no competition—
There is only the fight to recover what has been lost
And found and lost again and again: and now, under conditions
That seem unpropitious. But perhaps neither gain nor loss.
For us, there is only the trying. The rest is not our business.

Home is where one starts from. As we grow older
The world becomes stranger, the pattern more complicated
Of dead and living. Not the intense moment
Isolated, with no before and after,
But a lifetime burning in every moment
And not the lifetime of one man only
But of old stones that cannot be deciphered.
There is a time for the evening under starlight,
A time for the evening under lamplight
(The evening with the photograph album).
Love is most nearly itself
When here and now cease to matter.
Old men ought to be explorers
Here or there does not matter
We must be still and still moving
Into another intensity
For a further union, a deeper communion
Through the dark cold and the empty desolation,
The wave cry, the wind cry, the vast waters
Of the petrel and the porpoise. In my end is my beginning.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

CONTEMPLADORES DE JANELAS


Uma pesquisa decidiu investigar o que gatos domésticos fazem quando estão sozinhos em casa. Para isso, câmeras escondidas tiraram fotos a cada 15 minutos, registrando o que os gatos faziam de seu tempo enquanto os donos não estavam por perto. Quase 800 fotos foram estudadas e se descobriu que, na maior parte do tempo, os gatos domésticos dedicam seus dias a olhar pelas janelas. O restante, dedicam a dormir, esconder-se e brincar. Contempladores de janelas. Amo-os ainda mais hoje.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O GATINHO MAIS LINDO DO MUNDO


Não dá para resistir... é terapêutico.

O TEMPO & EU

Eu e o tempo. O tempo e eu. Relação de amor e ódio que, neste final de ano, comemora três décadas. O tempo passa, realmente, diante dos nossos olhos e de forma praticamente imperceptível. Faço jogos comigo mesmo, sem grande fundamento, que acredito poderem me ajudar a mensurar sua passagem silenciosa e devastadora, ainda que rica e repleta de memórias, lembranças, aprendizado e satisfação. Gosto de me olhar no espelho, ocasionalmente, e tentar enxergar o "eu" de 5 anos atrás. De 10 anos atrás. 15, 20. E é como se eu conseguisse, porque fica a ilusão de que "não mudei tanto assim", que "estou mais ou menos da mesma forma". E aí surgem os clichês, de que alguns fios de cabelo branco e um punhado de rugas discretas não deixam mentir. Mas é como se eu não as enxergasse e acreditasse, de fato, que não mudou muita coisa. Sou o mesmo, quase igual, apenas com anos a mais. E a ilusão até dura, surpreendentemente. Mas é inevitável constatar que tanto muda, que tanto mudou. Muitas vezes para melhor, outras para pior, mas sempre é um conjunto de ideias sobre uma vida que já ficou para trás. E isso é extremamente doloroso. Ainda que nada se perca, já que tudo o que "fica" é convertido em memória. Comos os discos que gravamos em fita, que gravamos em cd, que gravamos em dvd, que gravamos em bluray... Mas o original ficou para trás e tenho certeza que, na conversão contínua de acontecimentos reais em lembranças bluray, muito se perde. Caminhamos para frente, em marcha firme, sem a opção de retroceder. No máximo, olhar para trás. Dezembro é emblemático para mim, por razões óbvias. É o mês do desfecho, do balanço, de começar a contabilizar o ano. 2009, definitivamente, não foi um ano bom. Ele teve "seus momentos". O ano foi uma maratona, com breves e fugazes momentos de descanso. Sinto que andei quase todo o tempo na reserva, sem muita chance para abastecer, para carregar as baterias apropriadamente. Foi um ano em que senti na pele, como corte, a sensação do amadurecimento. Como se tivesse deixado parte de um "eu mais jovem" na estação. Como se eu tivesse dado adeus definitivo a algo de mim que já não poderia mais me acompanhar na jornada; provavelmente porque em breve - ou quem sabe neste exato momento - já esteja em companhia de um novo eu - ou parte dele - com quem seguirei a partir de agora. Catarse, devaneio, filosofia sem muito fundamento. É algo que vem e volta, geralmente nessa época do ano em que carimbamos "mais um". Fazia tempo que não sentava na ilustre companhia de meus botões, na minha solitária contemplação de janelas, enquanto observo o silêncio da rua, os carros que passam, os apartamentos acesos de maneira aleatória como um sorriso largo onde faltam alguns dentes. Talvez porque eu acabe sentindo tanta falta de mim mesmo - ou de algum eu que se foi e não voltará mais - acabo evitando socializar comigo mesmo para não constatar a inevitável passagem do tempo. Porque sinto saudade. São meus jogos sem grande resultado. Não dá para enganá-lo, não tem jeito. E acabo dançando conforme sua música e obedeço, como servo infiel, este meu mestre rigoroso. E, passada a estranheza de todos os finais de ano, continuamos a seguir juntos. O tempo e eu.

PARA VER E OUVIR: PATO FU ("SOBRE O TEMPO")

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

GRATIDÃO

"Agradeçamos, porque se hoje não aprendemos muito,
Ao menos aprendemos um pouco. E se não aprendemos um pouco,
Ao menos não adoecemos. E se adoecemos,
Ao menos não morremos. Portanto, agradeçamos".
(Buda)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

NASRUDIN E A MULTIDÃO

Conta uma lenda Sufi que Nasrudin chegou a uma pequena aldeia e todos imediatamente julgaram-no como um velho sábio. Não demorou muito até que uma multidão se aproximou do velho, aguardando ansiosamente por palavras de sabedoria e iluminação. "Mas quem havia lhes dito que Nasrudin era um sábio?", pensou. Para não frustrar seus expectadores, no entanto, Nasrudin placidamente abriu seus braços e disse aos presentes:

"Suponho que, se estão aqui, já sabem o que tenho a dizer".

Eis que a turba respondeu: "Não! O que você tem a nos dizer? Não sabemos, diga-nos, por favor!".

E Nasrudin continua: "Se vieram até aqui sem saber o que venho a lhes dizer, então não estão prontos para escutar". Dito isto, o velho se levanta e vai embora, deixando todos atônitos. Alguns já julgavam-no louco, quando alguém gritou, maravilhado:

"Ele tem toda a razão! Como podemos nos atrever a vir aqui se sequer sabemos o que viemos escutar? Somos estúpidos e perdemos uma chance maravilhosa. Quanta iluminação, quanta sabedoria! Vamos pedir ao velho que nos dê uma nova chance!"

E alguns homens correram em busca de Nasrudin e suplicaram-no que voltasse e ensinasse, novamente, seus conhecimentos. Após grande insistência, o velho retorna à aldeia e encontra uma multidão ainda maior na praça. E diz, assim que chega:

"Suponho que já sabem o que tenho a lhes dizer".

Lição aprendida, a multidão responde, quase em coro: "Sabemos, claro. Por isso viemos".

Ao ouvir a resposta, Nasrudin balança a cabeça e lhes diz: "Bom, se já sabem o que vim lhes dizer, não vejo necessidade alguma de repetí-lo". E, novamente, abandona as pessoas e vai embora. A platéia se cala em profundo silêncio até que um começa a gritar:

"Maravilhoso! Iluminado! Precisamos ouvi-lo mais, desejamos mais de sua sabedoria!"

Outro grupo de homens corre, novamente, em busca de Nasrudin e, de joelhos, imploram ao velho que volte. Nasrudin consente e é recebido como um rei pela aglomeração de pessoas sedentas por seu conhecimento. O velho se volta para eles e diz:

"Suponho que já sabem o que vim dizer".

E então, um representante responde com confiança: "Alguns sim, mestre, mas outros não". E a praça é tomada por grande silêncio e expectativa. Todos observam Nasrudin até que ele responde, serenamente:

"Neste caso, os que sabem que contem aos que não sabem". E, dito isso, Nasrudin foi embora.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

PARA VER E OUVIR: "CLUBE DA ESQUINA N.2" (VOZ E VIOLONCELO)

Um presente aos assíduos e queridos visitantes deste blog de devaneios semi-superficiais e reflexões quase profundas. Marcelo Vieira apresenta sua versão para o "Clube da Esquina n.2", de Lô e Márcio Borges, na Universidade do Estado da Louisiana (EUA). Essa apresentação é divina. Assistam até o final. É de arrepiar.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

UM POUCO MAIS DE CALLAS: "VOI LO SAPETE", DA CAVALLERIA RUSTICANA (LONDRES, 1973)


Uma rainha, uma aparição. Morreria apenas 4 anos depois desta apresentação, vitima de um coração partido, em seu solitário apartamento na Rua Georges, em Paris.

domingo, 22 de novembro de 2009

PARA VER E OUVIR: MARIA CALLAS CANTA "MIO BABBINO CARO" (JAPÃO, 1974)


Callas, eterna, imortal, inesquecível, insuperável. Ela se envergonhava desta que é uma de suas últimas apresentações públicas. Para a diva, Tóquio havia sido um desastre. Ao observarmos sua performance neste vídeo, impecável, precisa, percebemos o quanto essa deusa imperfeita foi dura consigo mesma por toda a sua vida. Centenas de cantoras líricas atuais dariam a vida para serem eternizadas nesta "apresentação vexaminosa" aos altos padrões de Callas. A apresentação é bela, tocante, com essa vibrante e doce voz inconfundível de anjo que Callas gravou para sempre em nossas mentes e corações. Inesquecível.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

"SLEEVEFACE"


Algumas pessoas transpiram criatividade. O "sleevefacing" é um exemplo disso. A técnica - absurdamente pop-art - consiste em pegar uma capa de disco (geralmente vinil) e se mesclar a ela da melhor forma possível, respeitando o cenário, roupas, cabelos etc. Genial. Para quem se interessar, a dica é o site sleeveface.com. No detalhe, uma menina brinca com a capa da trilha sonora de "Encontros e Desencontros".

ILUSTRANDO


The wanderer above the mists (1818) - Caspar David Friedrich

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

PRIMEIRA IMAGEM DE "SOMEWHERE"


Os filmes de Sofia Coppola são assim, meio como ela: silenciosos, discretos, em um ritmo diferente do mundo. Isso define também sua visão e estética e faz dela uma diretora original e absolutamente acima da média. Os filmes de Sofia Coppola começam assim, meio como sonho: um sopro, uma ideia, um sussurro de novidade e vão ganhando força, como o vento, até se materializarem em cinema. A história de "Somewhere" narra a vida de um ator "perdido" e sem rumo na vida e que habita o Chateau Marmont, famoso hotel de Hollywood. Um belo dia, ele recebe a visita inesperada de sua filha de onze anos, que o faz repensar sua existência até então. Sua filha se transforma na sua última chance de retorno e conexão com a realidade. No elenco principal, Stephen Dorff, Elle Fanning e Michelle Monaghan. "Somewhere" tem roteiro e direção de Sofia Coppola e, diz-se, é inspirado em muitos momentos da sua vida. Vamos aguardar, então.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

PARA VER E OUVIR: LUDÉAL ("ALLEZ L´AMOUR")


Um brinde ao amor e ao cinema, repleto de deliciosas homenagens...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

ÁGUIA E LOBO, TÃO PERTO, TÃO LONGE

Eis a cena mais comovente de "O Feitiço de Áquila" (Ladyhawke): a história de dois amantes, separados por uma maldição. Ele, lobo à noite. Ela, águia pela manhã. Sempre juntos, eternamente separados. Na tênue costura entre a madrugada e o crepúsculo, porém, os dois tem uma chance breve de se reencontrar. Mas, ainda assim, não é suficiente. Quem já viu esse filme sabe do que estou falando; da angustiosa corrida de Navarre e Isabeau para se reverem, nem que por alguns segundos. É de cortar o coração.

PARA VER E OUVIR: DAVID BOWIE ("HEROES" LIVE 1977)


Too cool for school.

PARA VER E OUVIR: DAVID BOWIE ("SPACE ODDITIY")

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A NORA DOS SONHOS (?)


"My sassy girl" (Ironias do Amor) é um daqueles filmes que poucas pessoas darão muita bola. Nem chegou ao cinema (foi lançado diretamente em DVD), não possui um elenco estelar e é uma refilmagem de um filme sul coreano. Bom, eu tenho uma queda por este tipo de filme, meio "underdog" e "Sassy" é justamente aquele filminho bobo, sem pretensão, que a gente acaba pegando por acaso na TV e nem percebe que estamos vendo até o final, para ver no que dá. É um filme bobo, sim, recheado de deliciosos clichês e roteiro inocente (mesmo a refilmagem possui um intenso tempero da inocência oriental); mas é um filme delicioso, adorável e que recomendo a qualquer pessoa de bem que deseje assistir a algo banal mas que faz sorrir. Isso define "Sassy Girl":  um filme banal, que faz sorrir e pode até emocionar. Tudo depende do humor de quem vê. O filme narra a história de Charlie (interpretado por Jesse Bradford), um rapaz do campo que vai para a cidade grande em busca de realizar conquistas profissionais idealizadas pelos seus pais. Num acaso do destino, ele esbarra em Jordan (Elisha Cuthbert), uma menina rica e avoada, mas marcada por uma grande melancolia que não revela a ninguém. Ou pelo menos tenta não revelar. Jordan é uma mistura de Claire (de "Elizabethtown") e Sarah (de "Serendipity"), uma menina linda, encantadora e cheia de personalidade. Ela, que é destemida e cheia de vitalidade, é o oposto de seu par, Charlie, um rapaz quieto de poucas ambições. Os dois, juntos, formam um estranho casal que por alguma razão - que só vamos entender ao final - não consegue ficar junto. Jordan provoca Charlie e leva-o aos extremos da raiva e da paixão. E desaparece, como um sonho. Mas ela tem seus motivos que, estranhos ou justificados, compreendemos eventualmente. O filme possui direção elegante, bela fotografia e trilha sonora e se passa em Nova York, como toda boa comédia romântica. Meu momento preferido do filme é a cena no parque, em que Jordan pede a Charlie para andar até outro extremo para verificar se ele consegue ouvi-la; único momento em que ela consegue dizer a ele parte do turbilhão de emoções que ela sente. Como ele não pode ouvi-la, a cena possui um aspecto muito doce, eloquente e comovente. Elisha Cuthbert, que todos conhecem como a filha de Jack Bauer na séria "24h", na verdade, está muito bem neste papel, que seria perfeito para Kirsten Dunst há alguns anos. "Ironias do Amor" é um filme delicado, pequenino e que não recebeu nenhum grande mérito ou elogio (as críticas, aliás, não são boas). Mas garanto que dará boas surpresas a quem lhe der alguma chance. Recomendo.

domingo, 8 de novembro de 2009

E SE A ÚLTIMA PESSOA DO MUNDO PARA TE SOCORRER FOSSE... VOCÊ MESMO?


"Moon", filme do estreante Duncan Jones (filho de David Bowie) é um filme impressionante. É épico, original, assustadoramente interessante. "Moon" é um filme sobre solidão e silêncio. Sobre realidades que se descortinam por detrás do óbvio. É como uma pequena porta que se abre e revela um abismo. Não sei bem ao certo como explicar esse filme, tampouco resenhá-lo. É um filme excelente, imperdível e uma experiência única para qualquer fã de ficção científica. Estrelado por Sam Rockwell, no papel do astronauta Sam Bell, o filme narra a história de um mineiro lunar, preso numa base claustrofóbica na lua (referências a '2001' de Kubrick transbordam). Há 3 anos, Sam está numa base lunar em busca de energia alternativa para o planeta terra. Sua única companhia é um robô adorável chamado Gerty (voz de Kevin Spacey). Na rotina do dia, monitorar "escavadoras", fazer exercício e se perder em devaneios e saudade de sua mulher e filha, que estão na terra. Um belo dia, algo foge do controle, e um acidente muda o mundo (ou melhor, a lua) de Sam de cabeça para baixo. Ao acordar na enfermaria, Sam decide voltar ao local do seu acidente. Para sua surpresa, encontra a si mesmo ali, inconsciente. Ao trazer o outro Sam de volta para a base, uma série de eventos se desenrolam numa trama surpreendentemente complexa para um filme com apenas 2 personagens, um cenário e pouco mais de 2 músicas. Sam passa a conviver com o outro Sam e nenhum dos dois chega a um consenso sobre "quem é o clone de quem". Mal sabem ambos que a solitária base lunar ainda guarda muitas surpresas. Por baixo da penumbra e do silêncio da lua, "Moon" transpira filosofia e metafísica ao mostrar questões impossíveis e a história de dois homens iguais e opostos que descobrem, mais cedo ou mais tarde, que devem um ao outro imensa cumplicidade. Muito ainda vai ser falado sobre esse filme pequenino e precioso. Um filme de silêncios e deliciosos socos na barriga. "Moon" é um filme que nos leva para a lua e nos puxa de volta, como numa montanha-russa. Imperdível.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

PARA VER E OUVIR: MISSA EM DÓ MENOR (KYRIE), DE W.A. MOZART


A entrada da soprano Miah Persson é de dilacerar o coração.

PARA VER E OUVIR: TRISTES APPRÊTS, PALES FLAMBEAUX (J. P. RAMEAU)


Belíssima - e doída - apresentação da Mezzo-soprano Magdalena Kozena.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

FLOWER

Para aqueles que acreditam - erroneamente - que videogames se reduzem a tiros, explosões, guerras e coisas do gênero, eis que geniais desenvolvedores surgem com um jogo que é belo, simples, mágico e poético. Trata-se de "Flower". Exclusivo da Playstation Network, "Flower" dá ao jogador o papel de ninguém menos que o Vento. Em primeira pessoa, "com os olhos do vento", navegamos pradarias e paisagens de sonho, brincando com a grama como se estivéssemos penteando-a, levando em nosso trajeto pétalas de flores coloridas que se abrem com a nossa passagem. Tudo isso ao som de melodias doces que fazem deste jogo não uma diversão rápida, mas uma experiência de paz e profundo relaxamento. Terapêutico. "Flower" é um jogo, claro. E há objetivos a serem cumpridos. Mas tudo é feito com tamanha beleza que dificilmente alguém estará preocupado com o andamento do jogo e muito mais em se entregar na corrida leve e sem pretensão do vento. Lindo, lindo demais.

PARA VER E OUVIR: SARAH MCLACHLAN ("ANSWER")


Lindo. A voz de um anjo, sempre.

domingo, 1 de novembro de 2009

A GENIALIDADE SEM LIMITES DE CHAPLIN


Esta cena inesquecível de "O Grande Ditador" é de fazer dobrar de rir. Dizem que nem o próprio Hitler aguentava o absurdo da imitação e ria desta deliciosa e impossível caricatura.

A SOMBRA DO VENTO


Barcelona, 1945. Daniel Sempere completará 11 anos e ganha um presente especial de seu pai: uma visita a um lugar misterioso e fantasmagórico, "O Cemitério dos Livros Esquecidos". Trata-se de uma biblioteca secreta, onde Daniel descobre o autor Julián Carax e seu livro "A Sombra do Vento". O garoto se encanta pela obra e decide investigar mais sobre seu escritor desconhecido e descobre que alguém vem queimando sistematicamente todos os exemplares de todos os livros que Carax já escreveu. Na verdade, o exemplar que Daniel tem em mãos é tudo o que restou. A curiosidade infantil se converte rapidamente numa cruzada obscura e repleta de segredos. Romance e medo se costuram diante dos olhos de Daniel ao passo que ele segue em sua jornada para desvendar os mistérios em torno de Carax e um livro maldito que mudará a vida de Daniel para sempre. "A sombra do vento", bestseller de Carlos Ruiz Zafón é um daqueles livros que descobrimos fortuitamente (ou melhor, que nos descobrem) e simplesmente é impossível de largar. As ruas de Barcelona, seus suspiros e murmúrios, narram segredos e belezas que fazem deste um livro precioso e de leitura obrigatória. Para quem se interessar, uma passagem que me roubou alguns bons arrepios. O garoto Daniel, de uma varanda, percebe que um estranho o observa da rua:

"Vestia uma roupa escura, uma das mãos afundada no bolso da jaqueta, a outra acompanhando o cigarro que largava um rastro de fumaça azul em volta do seu perfil. Observava-me em silêncio, o rosto oculto na contraluz da iluminação da rua (...) a figura assentiu de leve com a cabeça, uma saudação atrás da qual intui um sorriso que não podia ver. Quis responder, mas estava paralisado. A figura virou-se e a vi se afastar, mancando ligeiramente (...) Tinha lido uma descrição idêntica daquela cena em A Sombra do Vento (...) Na cena que eu acabara de presenciar, aquele estranho poderia ser qualquer noctívago, uma figura sem rosto ou identidade. No romance de Carax, aquele estranho era o diabo".

PARA VER E OUVIR: "LASCIA LA SPINA", DE HÄNDEL


É lindo de doer. Soprano: Cecilia Bartoli.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

FOTOGRAFIAS DE VINCENT BOUSSEREZ - "PLASTIC LIFE"




Um pouco mais da obra do talentoso Vincent Bousserez pode ser conferido no seu Flickr.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

UM GUIA DE ENGENHEIRO SOBRE GATOS


Qualquer dono de gato vai amar esse vídeo. Engraçado e amoroso.

SIMON´S CAT: "HOT SPOT"

terça-feira, 27 de outubro de 2009

PARA VER E OUVIR: SARAH VAUGHAN ("MY FUNNY VALENTINE")


É difícil imaginar que esta senhora já padecia com um câncer durante esta apresentação tão eletrizante.

domingo, 25 de outubro de 2009

CONSTANTINO E O QUADRO


Constantino levava o seu trabalho a sério. Não se considerava apenas um mero segurança de museu. Para ele, aquele não era um museu qualquer. E, assim, ele jamais poderia ser um guarda qualquer. Acreditava, portanto, que a providência o havia colocado naquele posto, como um fiel templário que aceita fervorosamente o dever de proteger a santa cruz. Adorava todos os cantos, todas as sombras, cheiros, até as imperfeições no chão. Sabia de cor a localização de cada obra e mesmo os nomes dos respectivos artistas buscou conhecer. Talvez fosse uma ânsia de aprender, talvez fosse apenas o vazio do turno da noite, como saber?

Não tinha a menor pressa. Andava vagarosamente pelos corredores silenciosos que beiravam a penumbra. Mas não sentia medo, nem solidão. Aliás, aquele era o único momento do dia de que verdadeiramente gostava. Se pudesse, dormiria e acordaria entre as cenas de batalha, as paisagens bucólicas, crianças, frutas e as imagens abstratas. Tudo para ele era especial no museu. Era quando, pelo menos por algumas horas, apreciava a sua vida.

Sua mulher o havia deixado, seus filhos não o procuravam, sua família não parecia fazer muito caso dele. Vez ou outra havia uma reunião familiar, um encontro de Natal, de Páscoa e nada mais. O resto do tempo passava sozinho entre as paredes do quarto que alugava não muito longe do trabalho. Não gostava de se atrasar. E mesmo sem precisar, fazia questão de estar lá logo cedo, pela manhã.

Mas havia algo em especial, que roubava a sua atenção. Um quadro pouco famoso, de um pintor quase desconhecido que ficava exposto na ala menos popular. Mas para Constantino, visitar todas as noites aquela obra era como ir ao encontro de uma mulher amada. Arrumava a gravata e a camisa, como se alguém o estivesse esperando. E ficava por horas e horas, hipnotizado pela pequenina cena emoldurada: Uma mulher deitada preguiçosamente sob a sombra de uma árvore à beira de um lago. Ficava horas observando aquela mulher misteriosa e que roubava sua atenção todas as noites.


Numa madrugada especialmente melancólica, ele ficou mais tempo ali, de pé, com o olhar fixo na jovem mulher que parecia encará-lo de volta, sem pudor. Queria tocá-la, ouvir a sua voz e estar em sua companhia. E então, como uma criança, Constantino fechou os olhos e se atreveu a sonhar.


* * *


Na manhã seguinte, pela primeira vez em tantos anos, Constantino não apareceu para o trabalho. Os corredores pareceram estranhos sem o zeloso guarda, que durante tanto tempo cuidou para que cada obra estivesse íntegra e protegida de qualquer ameaça. O seu turno teve de ser remanejado e outro veio fazer a sua ronda. Tudo parecia muito estranho e desconexo naquele dia. Talvez pelo fato de Constantino não estar contemplando o quadro que o hipnotizava, talvez fosse só impressão, como saber? A verdade é que, pouco tempo depois, ninguém mais dava por sua falta.


E novos visitantes vieram, dia após dia, ano após ano. E o pequenino quadro continuou lá, insignificante e despercebido: A imagem congelada de uma manhã de sol na qual, à beira de um lago, uma mulher e um homem pareciam entreter-se um ao outro imensamente, como um casal de namorados.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

"ERA UMA VEZ... NA FRANÇA OCUPADA PELOS NAZISTAS..."


Não vou ser do contra. "Bastardos Inglórios" (Inglorious Basterds), o novo filme de Quentin Tarantino, é o máximo. O filme é um primor, um deleite do começo ao fim; um desfile de técnica, estilo próprio e originalidade. Tarantino saltou, ao longo destes anos, do estigma de "diretor de filmes B ultra-violentos" para um dos mais completos, independentes e autênticos do momento. Tarantino não segue ninguém, não copia nada e, ao mesmo tempo, copia tudo, ao costurar um filme que é um mosaico infinito de referências. Uma ode apaixonada ao cinema e, sobretudo, ao cinema DELE, de sua juventude; os filmes que marcaram sua vida e fizeram dele este diretor-artista, este maestro da novidade. "O Picasso do cinema", como já ouvi falarem dele.

"Nós não estamos no negócio de fazer prisioneiros"

"Bastardos", estrelado por um elenco impecável, narra a história (fictícia) de uma milícia de judeus americanos que são lançados no coração da França ocupada com o único objetivo de caçar nazistas e espalhar o terror entre os soldados alemães, durante a II Guerra Mundial. E eles ganham fama rapidamente, que se espalha como um vento de terror entre os nazis, sobre histórias de escalpelamento e cabeças esmagadas com tacos de baseball. Os bastardos se transformam no pior pesadelos dos alemães, que já os imaginam como monstros e gigantes. Brad Pitt, que interpreta de forma magnífica o coronel Aldo "Apache" Raine, define muito bem o que são os bastardos: "Nós não estamos no negócio de fazer prisioneiros".

Brad Pitt brilha no papel de Aldo "Apache" Raine

Aliás, Brad Pitt merece atenção especial pela sua atuação. Na pele do coronel Raine, ele está na melhor canastrice possível, com sotaque caipira e excelentes tiradas. Em alguns momentos, Pitt me lembrou muito Marlon Brando, no "Poderoso Chefão". A maravilhosa sequência no cinema, em que Pitt traja smoking branco - ao tentar passar como cineasta italiano - é a reencarnação do chefão inesquecível. Vi Brando novamente, vivo, canastríssimo, poderoso.


O talentoso ator austríaco Christoph Waltz vive o col. Landa, "o caçador de judeus"

Merece grande lembrança, também, a atuação de Christoph Waltz, que leva à tela um dos melhores vilões dos últimos tempos. Ele é o coronel Hans Landa, "o caçador de judeus". Landa é um príncipe, refinadíssimo, educado, poliglota, de fala mansa e suave. Apesar de transparecer os modos de um homem extremamente calmo, as cenas com o coronel Landa são de uma tensão inacreditável. A atuação dele é tão boa ao ponto de transformar um simples copo de leite num objeto de medo. A sequência inicial - clara homenagem ao western "Era uma vez no oeste" de Leone - é dele.


Mélanie Laurent é Shosanna, "o rosto gigante vingativo". Ela brilha.

Outra jóia do filme é Mélanie Laurent, que interpreta Shosanna Dreyfus, a menina judia que consegue fugir das garras do coronel Landa. Shosanna se esconde em Paris, onde dirige um cinema sob falsa identidade. Na marquise do seu cinema, podemos ver discretamente, uma referência à deusa imperfeita, Leni Riefenstahl. A atuação de Mélanie Laurent é incrível. É um show de emoção: amor, desdém, raiva.  Shosanna é a heroína nos bastidores e um dos personagens mais interessantes do filme.


"Bastardos Inglórios" é um filme violento, claro; editado ao melhor estilo Tarantino e pouquíssimo preocupado com a fidelidade histórica. É um conto de fadas barra pesada, no qual o diretor conta a sua própria versão da guerra, onde os alemães não apenas foram derrotados, mas destruídos pelas mãos de uma milícia de soldados judeus. Só na cabeça genial de Tarantino é possível desenhar esse mundo - tão crível - onde judeus bem badass vão à Europa para dar o troco aos nazistas. É o ápice da vingança. O que todos gostariam que tivesse acontecido. O filme inventa um novo fim para a guerra e as figuras mais notórias do III Reich: Goebbles, Goering, Bormann e, naturalmente, Hitler. "Bastardos Inglórios" é caricato, exagerado, engraçado, violento e clássico instantâneo. É um tesouro do cinema moderno, que merece - precisa - ser visto por todos. Absolutamente imperdível.

Inglorious Basterds - Trailer from Florian KARMEN on Vimeo.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

ANNABEL LEE (EDGAR ALLAN POE)


It was many and many a year ago,
In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of ANNABEL LEE;
And this maiden she lived with no other thought
Than to love and be loved by me.

I was a child and she was a child,
In this kingdom by the sea;
But we loved with a love that was more than love-
I and my Annabel Lee;
With a love that the winged seraphs of heaven
Coveted her and me.

And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsman came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.

The angels, not half so happy in heaven,
Went envying her and me-
Yes!- that was the reason (as all men know,
In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
Chilling and killing my Annabel Lee.

But our love it was stronger by far than the love
Of those who were older than we-
Of many far wiser than we-
And neither the angels in heaven above,
Nor the demons down under the sea,
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee.

For the moon never beams without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so, all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling- my darling- my life and my bride,
In the sepulchre there by the sea,
In her tomb by the sounding sea.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

PARA VER E OUVIR: GERARD BUTLER CANTA "MUSIC OF THE NIGHT" (THE PHANTOM OF THE OPERA)


Apesar das críticas, acho que Gerard Butler interpretou lindamente o papel do fantasma nesta adaptação muito bem feita por Joel Schumacher.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

UM FILME SOBRE ELE, UM LIVRO SOBRE ELA


O livro "A mulher do viajante do tempo", bestseller de Audrey Niffenegger, é uma das histórias que mais me encantaram nos últimos tempos. Um romance inesquecível sobre uma mulher, Claire, que se casa com o amor de sua vida, Henry, um homem marcado por um raro disturbio genético que o obriga a viajar no tempo contra a sua vontade. Os dois se conhecem quando Claire é apenas uma menina e Henry surge magicamente numa pradaria onde ela brincava. A partir daí, encontros esporádicos ao longo de anos nos quais Claire espera ansiosamente pelo dia que encontrará Henry num tempo partilhado por ambos. O filme, dirigido por Robert Schwentke, e que, para o meu desespero, foi batizado no Brasil como "Te amarei para sempre" (quem escolhe esses títulos?!) não é uma adaptação ruim mas, definitivamente, não está à altura do livro. E por razões bem específicas. A primeira delas, como diz no próprio livro, "esta é uma história sobre saudade" e o filme não consegue comunicar isso. A segunda, é que o filme é sobre ele, Henry, quando, na verdade, essa história é sobre ela, Claire. A solidão de Claire, seu martírio, seu sofrimento em esperar por um marido que surge e desaparece como num pesadelo. Suas refeições sozinha, Natal, ano novo, sempre solitária. O desespero de não saber quando seu marido irá sumir e quando irá reaparecer. E em que estado. O filme distorce isso, com certa banalidade, talvez para converter essa história complexa em algo mais palatável ao grande público. Um outro aspecto muito presente no livro é o intenso erotismo partilhado por Henry e Claire que, simplesmente, não conseguem se largar de tão apaixonados. O filme nos mostra um casal apaixonado, claro, mas sem grande intensidade física, sexual. Inevitavelmente, algumas passagens belíssimas do livro não foram levadas à tela. Mas isso é normal, uma vez que seria impossível colocar tudo em 2 horas. Estrelam Eric Bana (Henry) e Rachel McAdams (Claire) que, na verdade, estão muito bem no papel, mas mereciam um roteiro melhor. Uma adaptação mais apaixonada daria um filme de arrasar. Mas, na minha opinião, o maior crime possível foi a criação de um final diferente do livro que, obviamente, não irei contar aqui. O que posso dizer é que, no livro, o final é de fazer soluçar de tão belo e comovente. No filme, porém, o final é extremamente ameno e banal, com ar de final feliz. Não que o final original seja triste, pelo contrário! É imensamente poético e tocante. Não consigo entender porque os roteiristas não seguiram o final de Niffenegger. Espero que na edição em DVD haja a opção "final alternativo", fiel ao livro. Apesar de não ser um filme ruim - na verdade é um ótimo filme - recomendo a leitura do livro que é imperdível. Com o livro, viajamos no tempo, com Henry e Claire. Partilhamos de sua dor e de seu amor. Com o filme, infelizmente, só vamos até a esquina. É uma pena.

sábado, 17 de outubro de 2009

PARA VER E OUVIR: JOHN MAYER ("WHO SAYS")


Realmente, acho que o sr. M surpreenderá novamente. Aguardo ansiosamente pelo novo álbum...

PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("BOTTLE IT UP")


Sara Bareilles - "Bottle It Up"

Sara Bareilles | Vídeos de Música do MySpace

PARA RIR UM POUCO: RYAN REYNOLDS DUBLA "I SWEAR"


Uma breve pausa, entre meus devaneios semi-superficiais e reflexões quase profundas, para rir um pouco. O irreconhecível galã Ryan Reynolds dubla "I Swear", no papel de um gordinho frustrado no filme (muito engraçado, por sinal) "Apenas Amigos". Absolutamente hilário. Ryan tem um talento nato para a ironia e o sarcasmo, muito pouco reconhecido. Deveriam investir mais no potencial cômico deste ator tão talentoso.

O MELHOR DIÁLOGO DE KILL BILL


"Aquelas são as suas roupas". Nesta cena inesquecível, Bill devaneia sobre o Super Homem e o define da forma mais original e bonita que eu já vi. A saga KILL BILL é preciosa. E essa cena é um tesouro. Saudoso Caradine.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

DEVANEIO SOBRE A SOLIDÃO

Muito me impressionou a história do senhor português encontrado morto, esta semana, num apartamento alugado, em Paris. Dois anos depois de sua morte. Essa triste notícia da vida real soou como um conto. Segundo os bombeiros, o corpo do imigrante foi encontrado sentado numa poltrona da sala. "Mumificado", apesar do avançado estágio de decomposição. Pode ter morrido do coração, sentado na sua cadeira, sozinho. Sem ninguém para dar por sua falta. Os vizinhos informaram que era um homem discreto, que falava pouco e ouvia mal. As autoridades o identificaram pelo número de série do seu aparelho auditivo. José Gomes de Macedo. Ele era engenheiro civil, nascido em Braga, onde ainda mora a sua ex-mulher, com quem continuava casado legalmente. Segundo a perícia, estaria morto desde 2007. Ninguém entrava no apartamento, de onde há algum tempo exalava um odor ruim, relataram os vizinhos. O senhor, discreto, não possuia conhecidos nas redondezas. E as contas, por débito automático, continuaram sendo pagas. Apenas a luz havia sido cortada e a caixa de correio transbordava com correspondências antigas. Na geladeira, a validade de um iogurte estragado deu algumas pistas: novembro de 2007. É uma crônica real da solidão. De uma vida desfeita e descoberta pela informação de um iogurte velho. Uma crônica sobre o desaparecimento. A história me lembrou uma professora de faculdade que, precavida, solicitou com muita antecedência todos os seus desejos funerários a um advogado. Muito solitária, temia ser descoberta pelo cheiro do corpo. Às vezes a vida é bela, às vezes é crua. Às vezes é, simplesmente, real. Demais.