Alta feito uma pipa, ela se aproximou da porta do apartamento que, olhando do elevador, parecia ficar a uma eternidade de distância. O céu já ganhava tons azuis e amarelos na janela do corredor, enquanto ela caminhava para casa, as mãos descoordenadas, buscando as chaves sem sucesso dentro da bolsa, derrubando objetos sem valor, fazendo barulho, praguejando para ninguém ouvir.
Respirou fundo, afastando o cabelo desgrenhado da testa. Ela se sentia suja, a roupa fedendo a cigarro, bebida, perfumes diferentes, da noite anterior. Sentia o seu corpo usado, dolorido, exausto. Não era mais jovem, ela sabia.
"O que eu estou fazendo da minha vida?", parecia se perguntar enquanto percebia seu reflexo no vidro da janela bolorenta do corredor, tomada por sujeira e teias de aranha, onde ela viu os primeiros raios da manhã.
A mão trêmula não conseguia encaixar a chave na fechadura e caiu não uma, não duas, mas três vezes sobre o carpete encardido diante da porta. Sentia vontade de chorar, de chutar até entrar, de arrombar a porta da sua própria casa. Respirou fundo mais uma vez e, de joelhos no chão, conseguiu abrir e entrar.
Aproximou-se do banheiro, despindo-se de forma desleixada, deixando sapatos, blusa, calça e bolsa no caminho. Os seios desnudos, já não tão firmes e bem feitos como antes, a barriga levemente flácida, a calcinha fedendo a sexo. Ela só não se lembrava com quem. Olhou-se no espelho, tentando se reconhecer.
Sentiu então seu corpo torcendo o seu estômago e correu para o vaso sanitário, onde depositou jorros de um conteúdo viscoso, marrom, como se ela estivesse cuspindo as próprias entranhas. Tossiu, sentindo a garganta arranhada, e enxugou as lágrimas e a sujeira do rosto, percebendo-se incapaz de tomar banho naquele momento. Ficou ali, com os braços escorados no vaso sanitário, sentada sobre o chão frio.
Exausta, as pernas bambas, cambaleou até o quarto escuro, onde jogou seu corpo sobre a cama desfeita havia dias. Sentia toda a sujeira, toda a imundice do seu corpo contaminando os lençóis. Depositou a cabeça sobre o travesseiro, sentindo o teto do quarto girar diante dos seus olhos e, antes que pudesse concatenar um único pensamento, adormeceu profundamente.
* * *
Acordou com um susto. O suor escorrendo no pescoço, um charco sob sua cabeça no travesseiro. Não fazia ideia quanto tempo havia dormido, que horas eram. Que dia era. Procurou, sem sucesso, o seu celular. Olhou o relógio, mas a visão embaçada não a permitiu discernir os números com precisão.
Sentou-se na cama, com as mãos no rosto, os dedos afundados no cabelo imundo. E percebeu que uma dor lancinante começava a se projetar dentro da sua boca. Quanto mais ela se sentia desperta, mais a dor se intensificava; como uma dor de dente, emanando por sua cabeça, coluna, braços, pernas. Como se ela fosse explodir.
Caminhou com letargia para o banheiro, abrindo a boca diante do espelho, tentando enxergar a fonte do problema. Não conseguia enxergar nada, a não ser sua língua, branca, como se ela tivesse lambido giz. Então ouviu um barulho, como se uma pedra tivesse caído na pia.
Deu um pulo contido, de susto, ao ver que era um dente. Ali, sobre a cerâmica, emoldurado por uma poça de sangue vermelho, fresco. Ela não compreendia e, ao voltar ao espelho para identificar que dente havia perdido, notou que outro, e outro, e outro começavam a cair, como uma chuva de granizo no seu banheiro, pintando a pia, a cerâmica, o chão de vermelho.
Correu a mão e buscou uma toalha para estancar o rio de sangue que escorria da sua boca; em vão. O pano, antes branco, já estava marrom com a mistura de sangue novo e seco. Em prantos, assustada, notou que não havia mais nenhum dente na sua boca; apenas as paredes da sua gengiva, furadas, pingando um líquido escuro, viscoso, como uma fruta apodrecida.
Correu para a sala, o sangue fazendo linhas pelo seu corpo, feito tinta. Desesperada, não conseguia organizar os seus pensamentos, transformá-los em ação. Procurou o celular, novamente, sem sucesso. Correu para a porta de casa e a percebeu trancada, sem a chave. Virou a bolsa no chão, vasculhando os pertences, sem nem saber o que procurava. Foi quando notou que as pontas dos seus dedos estavam vermelhas e inchadas.
Acocorada, ergueu as mãos diante dos olhos arregalados em terror, e percebeu que as suas unhas começavam a se desfazer, caindo dos dedos como folhas secas, deixando-os em carne viva. Tentava balbuciar, mas não saiam palavras coerentes da sua boca entumecida e sem dentes.
Sentada no chão, nua, olhou-se então diante da tela desligada da TV. Olhou para o chão e viu tufos do seu cabelo espalhados por todos os lados; imediatamente levou às mãos à cabeça, já completamente lisa, com um fio ou outro ainda pendurados.
Gritou como se estivesse rasgando os pulmões.
Gritou como se estivesse rasgando os pulmões.
Voltou tropeçando para o banheiro e percebeu que a pele do seu rosto parecia solta, pendurada. Tocou as bochechas com os dedos sem unhas e era como se ela fosse feita de barro, moldável. Quanto mais tocava na sua pele, mais percebia que ela se mexia, mole, flácida; como se ela fosse de cera e estivesse derretendo.
Foi quando ela sentiu que os seus olhos começavam a balançar dentro das suas órbitas, feito bolas de pingue-pongue dentro de um copo. Equilibrou-os, com a cabeça para trás, para não deixá-los cair, mas foi em vão. Escorregou e viu um dos seus olhos despencar no azulejo frio; aquela bola, úmida, branca, no chão, parecendo um ovo cozido. E então deixou cair o outro, ficando imediatamente envolta numa escuridão profunda, completamente cega.
Engasgando com lágrima, saliva e sangue, a mulher se sentou com as costas contra a parede. Sem enxergar nada, tateou o seu rosto e o seu corpo, percebendo que sumia em pedaços, que se transformava num caldo espesso, uma sopa de pele e cabelo, que escorria pelo ralo do banheiro, feito água barrenta.
E impotente, imóvel, já sem braços nem pernas, resignou-se a desaparecer para sempre.
* * *
A quilômetros de distância dali, um homem olhava o mar da sua varanda. O sol forte, fazendo reflexo sobre a água, enquanto ele saboreava uma taça de vinho do porto.
Digitou apressadamente no teclado do notebook. E então, de olhos fechados, sentindo o calor do dia sobre o seu rosto, ficou imaginando se afinal de contas teria dado certo. Não havia mais romantismo na bruxaria, ele pensou com seus botões, enquanto pressionava 'enter' de forma cerimonial.
As bruxas modernas tinham conta na Suíça.
As bruxas modernas tinham conta na Suíça.