segunda-feira, 21 de abril de 2014

GIRAFAS PARA ANGELO


Sentada, no assoalho do banheiro, ela respirava, quase ofegante; olhos fechados, cabelos amarrados num rabo de cavalo preguiçoso, as bochechas vermelhas, a testa pingando de suor. Após vomitar pela quarta vez, somente naquela manhã, ela se viu diante da constatação inegável.

"Meu Deus, estou grávida".

Com relutância, avisou que não iria trabalhar.

Não que ela não quisesse ter um filho. Não era isso. Era apenas que ela não achava que aquele era o momento certo. Sentia seu marido distante (ou seria loucura da sua cabeça?), havia decidido investir na sua carreira, e algo dentro dela dizia que aquela gravidez seria o fim do seu casamento.

Respirou fundo, tentando acalmar o seu peito. Molhou o rosto na pia, e ficou ali, por um tempo quase infinito, com a toalha úmida envolvendo o seu rosto. Sentia-se só, perdida, como se uma fenda tivesse sido aberta sob os seus pés. 

Caminhou pela casa, o robe desamarrado arrastando pelo chão como um manto régio, as mãos entrelaçadas atrás da sua cabeça, girando em círculos na sala como se aquilo pudesse ajudá-la a encontrar uma resposta; uma saída. Uma solução.

"Não. Isso não. Jamais".

Pegou o telefone e ligou para o seu marido no trabalho. Quando ouviu a sua voz sentiu medo e desconversou. Perguntou do seu dia, fez planos para o jantar, pediu que ele trouxesse flores. Jogou conversa fora até a hora em que ele precisou desligar para atender uma outra ligação.

"Está tudo bem com você, meu amor?".

Não estava nada bem. Ligou para a sua mãe, desligando antes mesmo que ela atendesse; então para um punhado de amigas mais próximas. Novamente sentiu medo, desconversou, fez planos para um almoço que jamais aconteceria. Foi à janela, respirou fundo, tentando absorver os sons, a luz, o vento que vinha dançar ao redor do seu corpo. 

Olhou crianças brincando num parque, não longe dali. Sorriu. Sentia medo, sua barriga era um turbilhão de borboletas enfurecidas, mas ainda assim; sorria. Os meninos e meninas faziam uma grande confusão na areia, subindo e descendo escorregadores, correndo umas atrás das outras. Ela se pegou rindo. E conseguiu se imaginar ali, como uma daquelas mães preocupadas.

Caminhou para o pequeno escritório, coberto de livros e discos e todo o tipo de quinquilharia inútil. E começou a imaginar cortinas de renda e girafas coloridas; Talvez fosse mesmo a hora. Mas ainda assim estava aterrorizada com medo da reação do seu marido; do que ele diria, de como ele reagiria. Na sua cabeça, as piores cenas possíveis rodavam em loop, todas elas encerradas sempre com notas de melancolia e abandono. 

"Ele vai me deixar, eu sei. Ele vai me deixar". 

Mas as horas daquele dia traziam consigo ensinamentos. E a cada minuto passado ela se sentia mais forte e decidida. E daí que ela ficasse sozinha? E daí que tudo aquilo, todo aquele conforto ruísse? E daí que ele fosse embora? Ela criaria o seu filho e seria feliz assim. Sentia-se corajosa, pronta para enfrentar o seu marido, assim que ele pusesse os pés em casa. 

Quando a noite começava a cair, ela se sentou no sofá, os olhos fixos na porta, como um felino. Esperando por ele. Pronta para tudo. Então a chave começou a girar na fechadura, e de repente ele estava ali, como fazia há anos, entrando em casa.

Sorria, de forma carinhosa, trazia flores nas mãos e se aproximou, para beijá-la. 

"Preciso te dizer algo", ele disse, os olhos fixos nela, sentado no chão entre as suas pernas. "Andei pensando muito sobre uma coisa hoje".

E ela ficou ali, sem reação. Fora pega de surpresa. Era ela quem tinha algo a dizer. Não ele.

Ele apoiou os braços em suas pernas, e beijou carinhosamente a palma das suas mãos. Ela engoliu em seco.

"Eu sinto que chegou a hora de nós termos a nossa família", ele disse, sorrindo; ao que ela desabou num pranto que parecia represado há centenas de anos. Soluçando, impossibilitada de construir qualquer frase simples. 

Ele correu para abraça-la, sem entender o que estava acontecendo. Segurou o seu rosto com duas mãos e percebeu que ela ria e chorava ao mesmo tempo. 

Ela fez carinhos em seu rosto, cabelo, olhando para o seu marido como se estivesse vendo-o pela primeira vez.

"Ah, meu bem, se você soubesse a surpresa que eu tenho para te contar...".

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