"O Sonho" - Pablo Picasso
quarta-feira, 31 de março de 2010
quarta-feira, 24 de março de 2010
TRISTE BORBOLETA
Acordou naquela manhã com uma ideia fixa na cabeça: “preciso me livrar desta angústia que quer me matar”. Sentia-se feia e disforme. Acreditava, dia após dia, que era uma mulher sem graça. Apalpava a pele flácida na esperança de que algum milagre pudesse ter acontecido enquanto dormia e passava a mão pelos cabelos desgrenhados em decepção. Todas as manhãs. Não gostava mais de si. Achava-se uma mulher feia. Sentia-se uma mulher feia.
Ninguém conseguia explicar o seu comportamento. De uma hora para outra, era como se tivesse enlouquecido. Tudo era muito estranho, quase surreal. Num domingo qualquer passou a se vestir daquela forma, com o rosto maquiado como uma pintura abstrata. Raspou a cabeça, as sobrancelhas e todos os pêlos restantes do corpo. Sentia-se uma mulher torta, uma mulher quebrada. Sentia-se como a cria de um quadro de Dalí com um desenho de Picasso.
Eventualmente, todos começaram a se afastar. Por medo, asco, vergonha, estranheza. Ninguém conseguia explicar o que havia acontecido a Joachim para ele agir daquela forma. Nunca havia feito nada errado. Havia sido sempre um menino correto, bem comportado. Terceiro filho de uma família de judeus ortodoxos, nunca deu problemas nem durante a adolescência. Havia se transformado num homem silencioso, é verdade, e notoriamente solitário. Tinha suas excentricidades, mas não incomodava ninguém em sua solidão de jovem velho ermitão de trinta e oito anos.
Morava nos fundos da casa de seus pais. Trabalhava na garagem, o dia inteiro, mexendo em motores velhos e eletrodomésticos condenados. Tinha mais dois irmãos, que moravam em Tel-Aviv servindo ao exército e uma irmã morta num terrível acidente de barco. Era uma família estranha, mas que não demonstrava suas estranhezas a ninguém. Eram extremamente reservados, até. E talvez por isso o menino Joachim tenha sido uma criança isolada. Mas isso não era justificativa. Não para o que estava acontecendo com ele.
E assim continuou, por meses. Perambulava pelas ruas como um louco. Escondendo-se nas sombras das esquinas, com medo de si mesmo, parecendo estar em busca de um destino sequer conhecido por ele. Foi quando se deparou com um cartaz de um salão de beleza maltrapilho, no centro de cidade: “Você é uma mulher linda, não importa o que eles digam”. Olhou fixamente para a placa desbotada, quase em transe religioso. E teve uma epifania.
Correu para dentro e se trancou no banheiro, assustando uma meia dúzia de mulheres tristes que estavam ali, cuidando umas das outras. Assustadas, ouviram o som de um touro numa loja de cristais. Era como se alguém tivesse aberto os portões do inferno, dentro do pequeno banheiro. Ouviam o rapaz urrar com ira, êxtase, dor, cólera. E o escutavam se debater e quebrar o que tivesse ao seu alcance. Sentiram medo e chamaram a polícia.
Joachim se observou perplexo, por horas nos restos de espelho caídos no chão do banheiro. Narciso às avessas, tinha uma confusa atração pelo seu reflexo, que, ao mesmo tempo, parecia odiar visceralmente. Queria se cortar inteiro com os cacos espalhados aos seus pés. Sentia ódio de tudo e vontade de gritar até os pulmões estourarem. Apanhou um longo pedaço de espelho, em formato de foice, acocorou-se no chão e como um samurai de Kurosawa fez de si uma triste madame borboleta, em desesperada metamorfose, naquele obscuro canto de cidade.
Quando a polícia chegou, meia hora depois, já era possível ver um rastro de sangue correndo por debaixo da porta. Sentiram cheiro de tragédia e chamaram uma ambulância para salvar a sua vida.
* * *
Ela não podia acreditar no que estava acontecendo. Semi-acordada, sozinha naquela cama de hospital, tocou o rosto inteiramente coberto de ataduras. Pulsos, pescoço e ventre enrolados em panos ensopados. Teve vontade de chorar. E chorou silenciosamente, soluçando sob a penumbra de seu quarto, enquanto se agarrava na fria barra de metal de sua cama. Segurava-se na cama com força para não despencar no abismo que parecia querer engoli-la.
E no limiar de seu retorno à sanidade que ainda era possível, chegou a uma revelação: era, definitivamente, a mais feia de todas as mulheres.
E não tinha mais dúvida alguma. Havia se transformado num homem.
sexta-feira, 19 de março de 2010
NO CALOR DO ALASKA
Após longo confinamento, uma mamãe ursa é vista pela primeira vez com o seu filhote, na costa do Alaska. Linda imagem, de puro calor nos polos, e cada vez mais rara. Em consequência do aquecimento global, os ursos polares correm risco de extinção. Fotografia de Steven Kazlowski.
quinta-feira, 18 de março de 2010
FIDÉLIO E O RÁDIO
Fidélio era um homem comum, de hábitos simples e poucas ambições. Havia sido assim por toda a sua longa vida, mas nem por isso se considerava um homem insatisfeito. Pelo contrário, era altivo e agradecido. Tinha 82 anos, viúvo há oito, pai de três filhos e avô de dois netos. Todos homens. Vivia só, num pequeno apartamento onde era assistido por um jovem enfermeiro, Javier; um cubano muito atencioso, contratado por seus filhos depois que ele quebrou uma perna tentando trocar uma lâmpada. "O senhor ainda vai acabar me matando do coração!", dizia Javier, sempre que corria para evitar que aquele homem tão frágil e sem referência da própria condição se machucasse em alguma aventura doméstica.
A saúde de Fidélio era boa mas, segundo o seu médico particular, ele já estaria desenvolvendo um princípio de Alzheimer. Nada muito grave, porém. Isso só era percebido quando trocava os nomes dos filhos ocasionalmente, esquecia o dia da semana ou repetia alguma história. Não mais que isso.
Seus filhos e netos o visitavam com bastante frequência. E ele sempre gostava de fazer da ocasião um evento. Mandava Javier fazer café e comprar biscoitos, dava notas de 5 para seus netos universitários e criticava o governo de 10 anos antes. Quando todos iam embora, Fidélio gostava da companhia do seu rádio e ficava por horas e horas, tarde a dentro, com ele ao pé do ouvido. Quase sempre acordava Javier, há muito cochilando no sofá, para pedir que o ajudasse a se trocar para dormir. O enfermeiro disfarçava o cochilo enquanto Fidélio lhe dava palmadas carinhosas no rosto. "Javier, você sente sono demais".
No seu aniversário de 83 anos, o sr. Fidélio ganhou dos seus netos um ipod recheado de músicas antigas. Eles viam o avô sempre com o ouvido no rádio e tentaram melhorar de alguma forma a sua vida, tão sem caprichos. Fidélio agradeceu com felicidade comovente, mesmo sem nem saber exatamente o que era a caixinha de acrílico em suas mãos. Nunca nem abriu, guardando-o com carinho na cômoda de sua cama, onde deixava um punhado de importâncias: um terço de prata, fotografias de sua mulher, um livro de Pablo Neruda e dezenas de cartas amarradas com fita vermelha.
Desde que se tornou viúvo, Fidélio encontrou uma calorosa companhia no rádio que ouvia em volume tão baixo que todos pensavam estar desligado. Ele podia ficar por horas, sentado quase imóvel, com o pequeno rádio. Atento, como se ouvisse instruções, Fidélio nem parecia dar bola para os acontecimentos ao seu redor. Apenas o rádio tinha importância. Os médicos disseram que era normal, algo como uma muleta emocional, um autismo temporário, e aconselharam os filhos a observar e respeitar o hábito do pai, sem grandes preocupações. Que mal havia em ouvir um rádio, mesmo em volume tão baixo? Era o que ele queria fazer e todos aceitavam. Mas só Fidélio sabia o quão especial era aquele rádio em suas mãos.
Um dia seu neto mais velho perguntou o que tanto ele ouvia com tamanha concentração. Ao que Fidélio retrucou, sorridente e sem cerimônia, que "ouvia a voz de Deus". Todos se olharam por alguns longos instantes e, desconcertados, julgaram tê-lo interpretado de forma equivocada. E deduziram, num melancólico parlamento de silêncios, que ele estava demente. Por mais quatro anos Fidélio continuou na companhia de seu rádio, sempre sob olhos de comoção de seus filhos e netos.
Chovia forte na manhã em que Fidélio se foi. Era como se o céu estivesse de luto. Javier foi acordá-lo para tomar café e o encontrou deitado, imóvel, em paz. Havia morrido em seu sono. Ao lado da cama, sobre a cômoda, percebeu o velho rádio que Fidélio nunca largava. Sorriu como quem sorri de uma criança inocente, segurou o aparelho por alguns instantes e se surpreendeu de como ele era leve. Sacudiu algumas vezes ao ouvido e constatou que o rádio era oco e sequer possuia pilhas. Depositou então o aparelho sobre a cama, ao lado de Fidélio, e sorriu novamente, com certa tristeza. Sentiu pena de Fidélio como nunca havia sentido de nenhuma pessoa antes. Acariciou os cabelos ralos em sua cabeça, fez uma breve oração e foi até a sala para ligar aos seus filhos. "Ele passava o dia inteiro ouvindo um rádio vazio e sem pilhas".
Fidélio parecia dormir o melhor sono de sua longa vida, com o rosto sereno e iluminado com um sorriso de quem não sente culpa. E o rádio estava lá, próximo ao seu corpo.
Eis que na lateral do aparelho uma pequenina luz azul piscou três vezes e desvaneceu, lentamente, em companhia de um chiado que parecia sussurrar até se transformar em silêncio.
De todos no mundo, aquele era o menos vazio dos rádios.
Chovia forte na manhã em que Fidélio se foi. Era como se o céu estivesse de luto. Javier foi acordá-lo para tomar café e o encontrou deitado, imóvel, em paz. Havia morrido em seu sono. Ao lado da cama, sobre a cômoda, percebeu o velho rádio que Fidélio nunca largava. Sorriu como quem sorri de uma criança inocente, segurou o aparelho por alguns instantes e se surpreendeu de como ele era leve. Sacudiu algumas vezes ao ouvido e constatou que o rádio era oco e sequer possuia pilhas. Depositou então o aparelho sobre a cama, ao lado de Fidélio, e sorriu novamente, com certa tristeza. Sentiu pena de Fidélio como nunca havia sentido de nenhuma pessoa antes. Acariciou os cabelos ralos em sua cabeça, fez uma breve oração e foi até a sala para ligar aos seus filhos. "Ele passava o dia inteiro ouvindo um rádio vazio e sem pilhas".
Fidélio parecia dormir o melhor sono de sua longa vida, com o rosto sereno e iluminado com um sorriso de quem não sente culpa. E o rádio estava lá, próximo ao seu corpo.
Eis que na lateral do aparelho uma pequenina luz azul piscou três vezes e desvaneceu, lentamente, em companhia de um chiado que parecia sussurrar até se transformar em silêncio.
De todos no mundo, aquele era o menos vazio dos rádios.
terça-feira, 16 de março de 2010
O PESO DA CHUVA
Um assassino está à solta. Suas vítimas são todas crianças, encontradas afogadas na água da chuva, após dias desaparecidas. A marca conhecida dos seus crimes é um pequeno origami deixado sobre os corpos. Em torno deste cenário, orbitam quatro pessoas comuns. Um pai desesperado. Um policial doente. Um investigador com dependência química. Uma mulher insone. Pessoas sem nenhuma ligação aparente umas com as outras e que se veem subitamente envolvidas com a série de crimes promovida pelo "Assassino do Origami". O que poderia ser um roteiro de um interessante thriller policial é, na verdade, um jogo exclusivo do Playstation 3: Heavy Rain, desenvolvido pela Quantic Dreams, já é considerado mais um passo na evolução do entretenimento digital. Heavy Rain coloca o jogador na pele de quatro personagens, reponsável por todos os seus atos, desde escovar os dentes e tomar banho a interagir com outras pessoas ou mesmo morrer. Tudo em caráter definitivo. Não há "continue". O jogo é construído sobre decisões interativas que conduzem a narrativa até o seu desfecho. Cada palava conta. Cada gesto, cada ação. Um jogo que promete levar os jogadores ao limite, testando suas emoções e raciocínio, sob a premissa de "até onde você iria para salvar quem você ama"? Heavy Rain é uma aposta no público adulto, maduro, sendo definido, inclusive, como "filme interativo" e não videogame. Alguns críticos associaram o jogo ao aclamado filme "Seven", tamanha a tensão promovida pelo jogo que, naturalmente, é recomendado para maiores de 18 anos. Em Heavy Rain não há "vidas", "pontos" ou "níveis". Há mistérios, profundos e envolventes, e a curiosidade humana em desvendá-los. E, naturalmente, o preço a se pagar pela curiosidade.
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quinta-feira, 11 de março de 2010
SOBRE O RETORNO DE UM AMOR IMORTAL
Eis que surge Andrew Lloyd Webber com a notícia de seu novo musical: "Love Never Dies", a ser inaugurado em Londres. A trama, supreendentemente, será uma continuação direta da idolatrada história do "Fantasma da Ópera". Os eventos se passarão uma década após os eventos de Paris, em Nova York (Coney Island), onde Christine aceita um convite para um trabalho mal sabendo que o seu fantasma também atravessou o oceano para continuar admirando-a nos bastidores. No vídeo, a canção tema, "´Till I hear you sing", é cantada por Ramin Karimloo, que interpretará o Fantasma. Eu que tive a grata oportunidade de assistir ao Fantasma na Broadway por duas vezes só posso acreditar que este novo show, sem a menor sombra de dúvidas - e apesar de toda a controvérsia - será mágico também. É o toque de Midas de Webber. Eis que surge o Fantasma da Ópera, do silêncio e das sombras, quando todos já haviam se conformado com o "fim" de sua história. A história de seu amor desesperado por Christine. Um "amor que nunca morre".
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quarta-feira, 10 de março de 2010
TREZE
Após longos anos de espera, atrasos e rumores, 9 de março de 2010 entra para a história como o dia de lançamento (ocidental) do aguardadíssimo Final Fantasy XIII. Pura arte digital, o supra sumo da qualidade narrativa e de entretenimento da mais famosa franquia de JRPGs. Meu lado geek, sempre presente, só tem apenas uma palavra a dizer: celebremos.
terça-feira, 9 de março de 2010
sexta-feira, 5 de março de 2010
VOZES
Celeste já não compreendia tão bem como antes o que as vozes queriam dizer. Com o tempo, as mensagens foram ficando cada vez mais confusas, como código cifrado, como charadas sem sentido. Só uma coisa permanecia intacta, o fato de que se sentia compelida a obedecê-las. “As vozes são a melhor coisa que nos aconteceu, Beatriz, desde que ele foi embora”.
* * *
O marido a havia abandonado com sua filha ainda pequena. Saiu de casa como um foragido, numa madrugada, sem deixar pistas. Nem bilhete, nem dinheiro, nada. Era como se elas simplesmente não existissem. Em um mês as duas tiveram que ir morar numa pensão, enquanto ela tentava ganhar a vida como garçonete. Quando sentiram fome pela primeira vez as vozes começaram a se manifestar. E a tranqüilizaram, quando ela mais precisou de esperança. “As vozes estão falando comigo, Beatriz. E elas estão dizendo que não devemos ter medo”.
A única coisa que seu ex-marido havia deixado, ou esquecido, era um revólver calibre 38, que ficava escondido numa caixa de cereal, dentro do armário da cozinha. Celeste sempre verificava se a arma ainda estava lá. “As vozes mandam eu checar todos os dias, Beatriz, e ela está sempre lá. Foi a única coisa que seu pai nos deixou”.
Durante o dia, a dona da pensão olhava Beatriz, pelo menos por algumas horas, enquanto Celeste trabalhava. Tarde da noite, voltava exausta para casa e encontrava a pequena Beatriz adormecida. Ás vezes ela chorava, de medo, de fome, de solidão. O desespero sobre o desamparo a fazia ter vontade de gritar. Levava a filha para sua cama onde tentava niná-la, cantarolando algumas poucas músicas que conhecia. Beatriz dormia como um anjo ao seu lado enquanto ela acendia mais um cigarro com suas mãos trêmulas de garçonete desastrada. “As vozes não me falam mais claramente, Beatriz. Gostaria que elas me ajudassem, porque já não sei mais o que fazer”.
* * *
Amanheceu um domingo completamente desorientada. Café escorrendo na pia, leite espalhado na mesa, fatias queimadas de pão. Arrastava-se pelo minúsculo apartamento, fechando as cortinas, letárgica. Ligou a velha televisão e colocou Beatriz sentada, desenhando no chão. Sentou-se à mesa e acendeu mais um cigarro. Os cabelos estavam embaraçados e seus olhos eram negros e profundos como se não dormisse há um século. Vestia uma camisola encardida e suas mãos tremiam enquanto tentava trabalhar. Havia recebido uma revelação. “As vozes me mandaram entalhar duas letras nelas, Beatriz. Para que elas se tornem mágicas. Não precisamos mais temer, assim as vozes disseram”.
Beatriz brincava no chão com um velho urso de pelúcia e observava a televisão ligada num volume ensurdecedor. Sua mãe estava sentada à mesa, fazendo movimentos repetitivos com as mãos, como se lixasse alguma coisa. E estava serena, pela primeira vez na vida.
“Hoje voltei a entendê-las, Beatriz. Ficou claro como a luz do sol. As vozes me disseram para sentar aqui e separar essas duas. Vê como elas são brilhantes, Beatriz? Nesta vou raspar um B de borboleta. Naquela um C de coração”.
"PRA QUE PENSAR? TAMBÉM SOU DA PAISAGEM"
I
Mario Quintana - A Rua dos Cataventos
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
Mario Quintana - A Rua dos Cataventos
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
quinta-feira, 4 de março de 2010
O MENINO QUE SONHAVA EM SER REI
Contam lendas muito antigas, que soberanos do Império Persa mantinham contatos com entidades demoníacas, chamadas Djinns (de onde se origina a palavra "gênio", hoje tão comumente utilizada em histórias infantis).
Segundo as histórias, passadas oralmente de pai para filho ao longo da poeira dos séculos, esses Djinns, ou "Gênios" tinham o poder de garantir aos seus amos a realização de todo o tipo de sonho e desejo.
"Ouro!", e então se erguiam pilhas sem fim de tesouro. "Armas!", e fileiras de homens armados, cavalos e carruagens se encontravam prontos para guerra. "Mulheres!", e as mais belas dançarinas surgiam como mágica, por entre colunas de fumaça azul.
Estas lendas contam, ainda, que uma pedra mágica havia sido criada por um Djinn muito poderoso e, de todos, talvez a entidade mais maléfica: uma pedra pequenina que garantiria ao seu detentor poder e glória sem limites; um presente máximo ao soberano da Pérsia, que desejava viver o céu na terra, com posses, exércitos e riquezas.
A pedra, porém, era amaldiçoada como todos os desejos realizados por um Djinn. Tinha um preço a ser pago: traria conquista e destruição a quem quer que colocasse as mãos nela, além do rei. Mas não demorou até que todos esquecessem disso.
E os séculos foram passando. A história virou lenda e a lenda virou mito. E a pedra, pequenina e insignificante como um pedaço de carvão, acabou chegado à Europa por meio de bandidos que se infiltraram nas missões das Cruzadas ao oriente.
No seu caminho, porém, teria ajudado na tomada de Jerusalém e afundado navios carregados de tesouro roubado. Homens teriam sido assassinados após fabulosas vitórias no jogo. Reis depostos após anos de extravagância. Ascensão e queda de impérios, revoluções e pragas.
E de mão em mão, trazendo fortuna e desgraça aos seus inúmeros donos, a pedra acabou sendo jogada fora pelo seu último detentor, cansado de tragédias. “Maldita seja!”. Perdida, acabou se misturando com pedras normais, no chão, sem valor. E, assim, ficou esquecida, como todas as pedras são.
Mas conta uma outra lenda, esta bem mais recente, que um menino muito pobre e infeliz, numa obscura cidadezinha de fronteira, em mais uma de suas inúmeras andanças sem destino pelo bosque, teria encontrado esta pedrinha. Ele, ainda de calças curtas, pés sujos de lama, mal vestido, melancólico e solitário, encontrava companhia da natureza nas suas caminhadas, enquanto se perdia em seus próprios devaneios e ilusões sobre falanges alexandrinas e canhões da Áustria-Hungria.
Sem posse outra qualquer, além de alguns almanaques de guerra e soldados de chumbo, resolveu ficar com a pedrinha e guardá-la no bolso como um amuleto para trazer sorte à sua vida e sua família.
Mas aquela não era uma pedra qualquer e tampouco era aquele um menino qualquer.
Acabara de fazer doze anos. "Será meu presente de aniversário", pensou o insignificante Adolf, guardando a pedrinha no bolso enquanto um vento forte e sombrio corria por entre as árvores, ao seu redor.
quarta-feira, 3 de março de 2010
PARA VER E OUVIR: NAT KING COLE ("FOR SENTIMENTAL REASONS - I LOVE YOU")
Nat... o que dizer...
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terça-feira, 2 de março de 2010
"EDUARDO E MONICA"
Animação absolutamente adorável sobre esta música inesquecível da Legião que, sem dúvidas, é parte da trilha sonora deste blog. Uma música cheia de devaneios urbanos, reflexões de média superficialidade e efemeridades importantes. Lembranças à minha querida e maltratada Brasília, que tão bem me acolhe.
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PASSAPORTE PARA A IDADE MÉDIA
"Azincourt", novo romance de Bernard Cornwell, é simplesmente um livro impossível de largar. Em resumo, oferece um passaporte para a Inglaterra medieval, durante os turbulentos tempos da Guerra dos 100 Anos. O livro é entitulado a partir da famosa Batalha de Agincourt, travada em 25 de outubro de 1415, Dia de São Crispim, quando algumas dezenas de bravos soldados ingleses, exaustos e doentes, conseguiram derrotar o vasto exército francês. O grande trunfo dos ingleses eram os seus arqueiros de arcos longos, a arma mais temida da Idade Média. A passagem histórica foi imortalizada por Shakespeare, em sua peça "Henrique V" (minha predileta) e que foi levada ao cinema por Kenneth Branagh e Laurence Olivier."Azincourt" é protagonizado pelo jovem e intrépido arqueiro Nicholas Hook que, pelas idas e vindas do destino, acaba ingressando nas fileiras do exército do jovem Henrique V a caminho de Harfleur, cidade costeira a ser tomada antes da grande marcha pela conquista da França. O texto é leve, rápido, fluido, orgânico, como se nós mesmos estivéssemos ali, testemunhando toda a beleza, a bravura e a brutalidade daqueles anos escuros da história europeia. Quando me debruço sobre "Azincourt", é como se castelos se erguessem ao meu redor, cercados por bosques em névoa. Percebo pequenos riachos e conversas em tavernas. Sinto como se fosse transportado para os campos de batalha, com flechas voando em todas as direções, cavalos a galope, cavaleiros em combate e fogo, gritos, pólvora e sangue por todos os cantos. E consigo ouvir o jovem Henrique gritar "por Deus, Henrique e São Jorge!", antes de investir novamente na brecha em Harfleur. É uma jornada imersiva ao medievalismo que nenhum aficionado ao tema pode se privar de experimentar. A escrita de Cornwell é de um poder quase místico e este livro é obrigatório para qualquer pessoa que se interesse por romances de fundo histórico. Lamento cada página virada, enquanto vejo o livro definhar sob meus dedos ávidos em saber o que será do jovem arqueiro que, sozinho, parece ajudar a desenhar a história de um país inteiro. Imperdível.
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