quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A NOBRE ARTE DE RIR DA TRAGÉDIA

O fenomenal filme "A Queda! As últimas horas de Hitler" possui um gêmeo cômico, uma outra metade, uma versão light. Trata-se de "Minha Quase Verdadeira História" (Mein Führer). Escrito e dirigido por Dani Levy, essa comédia refinadíssima se propõe a documentar, de maneira "definitiva", os bastidores dos últimos dias de Adolf Hitler. Entre os inúmero trunfos deste filme delicioso está a catarse pura dos alemães ao falarem do maior pesadelo da história humana. Ao mostrar um Hitler chorão, deprimido, carente e inseguro, o filme destrói o mito e o medo, sem jamais negligenciar o genocídio, a psicopatia e a esquizofrenia de uma nação e de seu líder supremo.
A história se passa no final de 1944. Hitler está deprimidíssimo às vésperas de fazer um discurso de convocação da nação alemã à resistência. Mas como um homem deprimido poderá ser capaz de acender a chama nacionalista de um povo? Nem o próprio Hitler se recorda mais de como era o seu tempo de grande orador. Para contornar a situação, o Ministro da Propaganda, Joseph Goebbels (Sylvester Groth) decide resgatar um professor de teatro judeu de um campo de concentração: o famoso ator Adolf Grünbaum (Ulrich Mühe). O plano é simples. Com a ajuda de um "tutor" especializado em artes cênicas, o Führer será treinado para voltar à antiga forma e conquistar a nação. No entanto, isso é apenas um ardil do habilidoso Goebbels para executar um golpe de Estado e formar um novo governo na Alemanha. A partir desta premissa, o filme nos presenteia com situações esquisitas, inusitadas e até absurdas...
O que acontece, naturalmente, é que Hitler passa a adorar o seu "professor" e chega ao ponto de abraçá-lo tenramente, enquanto chama-o de “meu amigo judeu”. Para mim, o ápice do impensável é ver o ditador alemão, em crise de insônia, indo se deitar entre o judeu Grünbaum e sua esposa que, no meio da noite, tenta sufocá-lo com um travesseiro. O filme flerta em ser uma comédia de absurdos e algumas cenas nos convencem disso. Mas é impossível resistir a esse filme. Ele é simplesmente bom demais. E tudo é feito com muita qualidade e cuidado, ao mesclar imagens de época com atuais, alguns efeitos especiais e até citações à deusa imperfeita, Leni Riefenstahl (a cineasta oficial do partido nazista).
É difícil descrever esse filme, porque fica parecendo que a comédia perdoa e esquece. Mas isso jamais acontece. E está justamente aí a genialidade do diretor: falar sobre Hitler, fazermos rir de Hitler sem que, para isso, esqueçamos dos crimes cometidos por ele. O filme é absolutamente brilhante e em nenhum momento desrespeitoso com a história e a memória da civilização ocidental. "Minha quase verdadeira história" nos ensina a rir da tragédia, como um exercício saudável, não como humor negro. E por isso, também, esse é um filme tão belo e especial. Imperdível.

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